O Sal da Terra
Texto
restaurado e reeditado
Já estou cheio da palavra sustentabilidade, usada como
galocha na propaganda eleitoral e na mídia em geral. Outra que não agento mais
é o tal de “foco”. De saco cheio leio e ouço toda hora “meu foco está em...”,
não é fácil.
Antes de virar moda e frase de panfletos eleitorais
oportunistas (alguns são autênticos), pessoas que hoje são chamadas
de ambientalistas foram tachadas de ecologistas nos anos 70. Fui um dos
fundadores do M.O.R.E., Movimento de Resistência Ecológica que atuava
basicamente em Niterói em plena ditadura. Nunca presidi o M.O.R.E. mas,
modéstia à parte, tive uma atuação constante e muito intensa por uma razão
muito simples: desde pequeno meu pacto com a natureza é real, palpável.
Lembro de uma grande manifestação organizada por um
colega jornalista, acho que em 1977, na área de Camboinhas, bairro da Região
Oceânica de Niterói. Na época uma megaconstrutora estava tocando um projeto
chamado “Cidade de Itaipu”. Para “limparem” a área contrataram jagunços que
mataram e torturaram pescadores que foram obrigados a entregar suas casas. A
lagoa de Itaipu estava ameaçada (hoje está teoricamente morta), enfim, o
megaprojeto teve que engolir uma manifestação com direito a presença do
cientista Augusto Ruschi, já falecido.
Dezenas de pessoas participaram da carreata e, lógico,
havia policiais do sucessor do Dops, o também famigerado D.P.P.S. (Delegacia de
Polícia Política Social) infiltrados nos fotografando mas, ainda assim,
consegui escrever uma longa matéria para o Pasquim (na época submetido a
censura prévia) que até hoje não entendi como não foi degolada.
As manifestações, as matérias na grande mídia que
seguiram o Pasquim acabaram abortando a tal “Cidade de Itaipu” e, em tese, a
ecologia (hoje ambientalismo) venceu mais uma. Foi quando um mineiro de Belo
Horizonte me procurou no Pasquim, que funcionava na rua Saint Roman em
Copacabana. Eu ia lá uma vez por semana e, inclusive, sem querer, presenciei a
despedida de Ivan Lessa, em 1978, que jurou nunca mais pisar no Brasil
embarcando para Londres. Ele morreu com a promessa cumprida.
Mas, voltando ao mineiro, ele queria mais detalhes
sobre o nosso movimento que abateu a “Cidade de Itaipu” para conversar com o
poeta Ronaldo Bastos sobre o assunto. Contei tudo o que sabia e o cara sumiu.
Foi quando em 1981 uma música me chamou atenção. Chama-se “O Sal da Terra”, que
ouço neste momento com o co-autor Beto Guedes, enquanto escrevo. Vale recordar
a letra de Ronaldo Bastos que, me disseram depois, ouviu o relato do leitor
mineiro:
Anda!
Quero
te dizer nenhum segredo
Falo
nesse chão, da nossa casa
Vem
que tá na hora de arrumar...
Tempo!
Quero
viver mais duzentos anos
Quero
não ferir meu semelhante
Nem
por isso quero me ferir
Vamos
precisar de todo mundo
Prá
banir do mundo a opressão
Para
construir a vida nova
Vamos
precisar de muito amor
A
felicidade mora ao lado
E
quem não é tolo pode ver...
A
paz na Terra, amor
O
pé na terra
A
paz na Terra, amor
O
sal da...
Terra!
És
o mais bonito dos planetas
Tão
te maltratando por dinheiro
Tu
que és a nave nossa irmã
Canta!
Leva
tua vida em harmonia
E
nos alimenta com seus frutos
Tu
que és do homem, a maçã...
Vamos
precisar de todo mundo
Um
mais um é sempre mais que dois
Prá
melhor juntar as nossas forças
É
só repartir melhor o pão
Recriar
o paraíso agora
Para
merecer quem vem depois...
Deixa
nascer, o amor
Deixa
fluir, o amor
Deixa
crescer, o amor
Deixa
viver, o amor
O
sal da terra
Ronaldo Bastos é um dos grandes poetas que desembarcou
na Música Popular Moderna de Minas Gerais. Em “O Sal da Terra” ele funde a
asfixia ambiental com a política e também driblou a censura. Quem quiser ouvir
a versão original do álbum de Beto Guedes “Contos da Lua Vaga”, de 1981, é só
clicar aqui:
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