Obesidade existencial
Baiacu
1
Baiacu é um peixe com dentes parecidos com os da
piranha e quando você pesca e coça o barrigão branco dele, incha até explodir.
Baiacu não é gente, morde o pé da gente. Dizem que baiacu voa, que baiacu é
bicheiro, enfim, falam tudo desse estranho peixe, feio, porco, mau caráter,
carreirista, fedorento que, sinceramente, não sei pra que existe. Nem ele, nem
os tubarões que deveriam ser mortos a bombas, assim como cobras, ratos e
aranhas.
Baiacu é também o apelido que os obesos arrastam pela vida, também chamados de bolas de sebo, colhões de boi, cloaca de Vênus e outros clássicos da baixa literatura da nossa rica, caliente e triangular língua.
Baiacu
2
O homem-baiacu inventou o regime alimentar para
combater a obesidade que começa com um pequeno aumento da barriga, da cintura,
das coxas e uma quase ilusória diminuição do pênis (que vira um sininho no meio
da selva de banha) até transformar pessoas em massas disformes de gordura se
arrastando pelas ruas suando como zebras estupradas no Parque Nacional do
Quênia, onde flamingo vermelho voa de costas para não levar um tiro na cara.
A pressão arterial deste adiposo mamífero, em geral,
está na faixa de 17 por 10. Ele tem pouca resistência até para copular, uma
operação delicada, diga-se de passagem, pois tem que recorrer às humilhantes
técnicas adotadas por mulheres grávidas de 7 meses em diante.
O regime alimentar é a única maneira do homem-baiacu
virar peixe-agulha. Fechar a boca. Não existe outra saída. Mas o regime é uma
das piores invenções pois faz o homem-baiacu mentir para si mesmo, se auto-cornear
ao abrir a geladeira de madrugada e atacar dois litros de sorvete de coco da
Kibon, ou cair de boca no famigerado Movenpick e seu veneno de nozes.
Baiacu
3
Quando começa a fazer regime, a bola de sebo fica
ansiosa e, em geral, começa a tratar grosseiramente a sua mulher e (ou)
companheira. Torna-se um insuportável covarde. Usa a sogra como saco de
pancadas alegando que precisa fazer exercícios físicos. A crendice popular registra
dramáticas crises de abstinência de homens-baiacu em dieta, aquele terrível
desejo de devorar 44 chocolates Nestlé de 800 gramas, com recheio de castanha
do caju. Aqui perto, no século passado, um homem quis comer a sua cadela poodle
no auge de uma crise, mas foi contido por populares quando já estava com o rabo
do animalzinho enterrado na garganta,
Baiacu
4
Hoje em dia é praticamente impossível encontrarmos um
obeso que não esteja fazendo regime. Fazer regime alivia a culpa e furá-lo,
comendo, distraidamente, uma ou outra torta alemã, um quindão, ou 57
brigadeiros é considerado “acidente de percurso”.
Não tem jeito. Homem (mulher segue outra tabela) que
tem 1.70m de altura tem que pesar 60 quilos no máximo. 1.80m, 80 quilos e por
aí vai. Essa é a dura realidade da quase incorruptível balança. Mais: não
conheço obeso que goste de ser obeso. Conheço gordo. Obeso não. E entre gordo e
obeso existe um elefante diferenciador.
Obesidade é como um namoro que vai mal das pernas. Vai
se arrastando, acumulando gorduras, astral baixo, pressão alta, vagalhões de
culpa, desculpas, até que um dia você ouve algo do tipo “vê se não aparece mais
aqui desse jeito” e, big bang! Explode tudo. Você pensa, constata que aquela
história não foi de toda má, mas em matéria de sargento já basta o guarda da
esquina. E como a gordura que asfixia o coração, é preciso dar um fim as
pelancas acumuladas pela repressão, pela depressão, pela desconfiança, por toda
a embalagem que embrulha as relações mal resolvidas. Aí, meu amigo, é só fechar
a boca e empinar o peito para perder peso e culpa. Saúde.
Texto
de meu livro “Torpedos de Itaipu”, editora Artware - 1995
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