O dia em que Eddie Van Halen perambulou pela tarde de Copacabana, bebendo cachaça e dando risadas

Quando trabalhava em rádio os “camburões existenciais” viviam me dando geral. “Isso é velho”, “isso é decadente”, “isso está out”, mas a visão de Cultura está muito em cima do SER e não do TER e não tem nada a ver com ontem, amanhã, hoje. O que é bom é bom. Assim como tenho o direito de achar o Wolfmother sensacional, continuar ouvindo compulsivamente Hendrix, Zeppelin e adorando o Who, não significa que estou limado. Não quero saber da capa de Caras, ou da Quem, meu negócio é Rock Press, Rock Brigade, Whiplash, entendeu? E Albert Camus, alguma coisa de Sartre, muitos beats e política maiúscula.

Vivo muitas experiências com a tropa de elite do Rock. Afinal não estou sendo jornalista. Sou jornalista há quatro décadas. Eddie Van Halen conheci no Rio. A rádio Fluminense FM foi a promotora do show da banda no Maracanazinho (1983), ficou tudo acertado, mas na hora H o mexicano, molambeiro e safado do Alex Valdez, ex-cafetão do Van Halen, tentou nos dar uma rasteira. Não conseguiu porque se no México eles são bons de tequila, em Niterói o negócio é rabo de saia e de arraia.

No dia do show, à tarde, eu perambulava nas imediações do hotel onde o Van Halen estava e vi o Eddie sair. Magrinho, baixinho, aquele sorriso de bêbado. Felizmente ele hoje está limpo, sóbrio, saudável. Eram umas 4 da tarde e ele estava só. Cheguei perto, me apresentei e começamos a rodar ali pela Duvivier e ruas próximas que são o principal reduto da orgia nacional. Ele queria uma companhia e nem prestou atenção quando eu disse quem era, com meu inglês de Praça 15. Havia um muquifo chamado New Munique onde as mulheres dançavam e cruzavam num palquinho redondo quase do tamanho de  duas mesas de ping pong. Eu mostrava a casa de baixíssima tolerância ao Eddie que, logicamente, estava fechada aquela hora. Ao lado, um botequim, daqueles que tem pirulito Zorro misturado com maço de Belmont, mariola, paçoca e muita, muita cachaça. Eddie caiu dentro.

De cara, dois copos. Um de 51 e outro, se não me engano, de Praianinha. Ele queria fazer uma espécie de test drive com todas. Eu estava distraído com uma morena boa pra cacete que tinha parado ali perto, com uma amiga melhor ainda, e o Eddie virando, virando, virando, a ponto dos operários que estavam encostados no balcão comentarem “o china manda bem”. É bom deixar muito claro que ele livrou-se do alcoolismo.

No quinto ou sexto copo que Eddie entornou, comecei a me preocupar. O cara tinha show naquela noite. E se caísse? E se fizesse coma alcoólica? Fiz um sinal do tipo “pega leve” e disse “slow, Eddie, slow”. Ele riu com os olhos mais chinas ainda. Na falta do que dizer, mandei “all the best cowboys have chineses eyes”, nada menos do que o nome do disco-solo de Pete Townshend que tinha acabado de desembarcar no Brasil. “Todos os grandes caubóis tem olhos china”, tradução livre do nome do disco.

Resumindo, depois de uns sete copos (aquele da média e pão com manteiga), o guitarrista deixou o bar pisando o asfalto com a precisão de um equilibrista de circo. Chato é que eu paguei a conta.

Eddie andava reto, seguindo em direção ao Leme (turistas, Leme fica a esquerda de quem vai pro mar) enquanto falava, pouco, do disco que estava tramando com Brian May, grande amigo, do Queen. Esse disco saiu. Gravado totalmente à bangu. “Nós vamos ligar as guitarras, os amps, atochar o volume todo e sair tocando”, disse Eddie que mostrava umas variações de humor e, eventualmente, dizia coisas desconectadas, mas mantendo a lucidez de quem bebe atalaia jurubeba e não 10 copos de cachaças variadas.

De fato, em 1984, eu acho, saiu no Brasil um vinil de Brian e Eddie absolutamente demolidor. Uma jam de hard blues, cujo nome esqueci pois perdi esse disco. Percebi que Eddie Van Halen não estava muito bem e não aguentava mais o estrelismo “toda dando” do cantor David Lee Roth.
Senti que Eddie também tinha batido de lado com o irmão Alex, monumental baterista, e segundo os seguranças estrangeiros (como sempre fofoqueiros) Alex estava pegando pesado com Eddie por causa da birita. “Meu negócio é tocar”, disparou na volta pro hotel como se dissesse “não suporto esse negócio de ser band leader porque enche o saco”. Ele entrou no hotel e só fui revê-lo no palco do Maracanazinho.

Van Halen abriu o show e logo nos primeiros acordes caíram 18 nas primeiras filas, todos desmaiados com os tímpanos estourados. Alex Porco Valdez mandou para a produção em Los Angeles o mapa da arena do Maracanã e os caras meteram som de Maracanã no Maracanazinho.

Eu me lembro da parede de amplificadores: Marshall, Marshall, Marshall, Marshall, Marshall, no fundo do palco, mais os P.A.s completamente marcianos, coisas que nunca vi. As vidraças de vários apartamentos na avenida Maracanã quebraram. Vi gente vomitando por causa do impacto das ondas sonoras, vi a garotada rolando no chão, mas a banda não aliviou.

Acidentalmente assisti ao show da arquibancada, lá em cima, e fiquei cinco dias com a sensação de ambulâncias no ouvido. Mas o que me surpreendeu foi o encachaçado Eddie tocar muito, muito, muito!!!!!

Precisão absoluta, nenhuma asfrada, nenhum compasso de fora. Claro, rolou perda de memória com letras, mas o som estava perfeito. Como pode? Quando o concerto terminou, a galera deixou o Maracanazinho uivando, ululando, vomitando, urinando de alegria.

Mas, logicamente, o destino mandou seu garçom com a conta. No ano 2000 foi anunciado que Eddie estava com câncer no fígado e pâncreas. Levou até extrema-unção. Na época eu estava com a rádio Rocknet on line e li a notícia aqui no Whiplash. A Rocknet funcionava no estúdio El Sonoro de Felipe Melo, o maior intérprete de Jimi Hendrix que já ouvi e uma figura humana sensacional.

Li a notícia e saí. Fui andar, indignado, triste, pensando no Eddie. Ou melhor, no fim de Eddie. Mais um que subia. Minha cabeça girava, pensei no levantamento feito por uma agência de notícias que contabilizou mais de 300 rockers mortos de 1954 até 2000. Motivos: 1) desastres de carro ou moto provocado por porrancas; 2) cirrose, pancreatite, falência múltipla de órgãos por causa de birita; 3) overdose de heroína, cocaína e afins. E por aí vai. Será que Eddie iria engrossar a lista?

Acompanhei dia a dia o noticiário pelo Whiplash. Quando Eddie deixou as manchetes (na verdade as manchetes é que o deixaram em paz) percebi que alguma coisa boa tinha acontecido. Aconteceu. Uma cura milagrosa que médico nenhum consegue explicar. E o Eddie da rua Duvivier voltou à cena, mandando ver. Esse a mulher de preto, cara branca e foice na mão não levou. Afinal, o mundo precisa de Eddies, gente de caráter, humildade, e overdose de Música nas veias.


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