O Manual do Orgasmo - ficção extraída de meu livro “Torpedos de Itaipu”, editora Artware
Parecia chanchada italiana. Eu estava numa livraria dando um tempo. Chovia pra
cacete lá fora e o trânsito lembrava um enorme jacaré bêbado.
Livraria vazia. Entra um casal. Ele calmo, jeitão de economista do
Banco Central, óculos com lentes fundo de garrafa, meio mal
humorado. Ela, agitada, colorida, enfiada numa malha rosa arrochada;
mulher grande, brincalhona, muito gostosa.
O
aguaceiro engordou na rua. Não gosto de andar na chuva porque toda
hora enfiam um umbrella
na minha cara. Umbrella
é guarda-chuva em inglês...só pra contrariar. Brasileiro, apesar
de tropical, convive muito mal com as tempestades.
Voltando
ao casal, ia tudo muito bem até ela pedir um livro, subindo o tom da
voz. “O senhor tem o Manual do Orgasmo, de Fulana de Tal?”. Até eu fiquei sem
saber o que fazer. Quem estava embrulhando parou de embrulhar, quem
estava empilhando livros parou de empilhar e eu que estava lendo
orelhas parei de ler. Como todos prevíamos, o tal homem sereno
virou um mamute enfurecido.
Verde de ódio o sujeito levou a mulher para um canto e, tentando
falar baixo, vociferou: “Precisava me humilhar? Vamos embora!
Chega! Eu não aguento mais!”. E saíram no toró mesmo, soltando
faíscas.
Não
precisava ser desta forma. Muito se fala em alma feminina, nos
cuidados que temos que ter com a mulher, com os desejos da mulher,
com a liberdade da mulher, com a sensibilidade da mulher. Mas que fim
levou a alma masculina?
Uma
mulher que entra numa livraria com o marido e pede, vociferando, o
“Manual do Orgasmo” está querendo barraco. Ou então pedindo.
Alguém dirá “quem sabe, era meio burrinha”. Não! Não existe
mulher burra. Se aquele mulheraço estivesse a fim de comprar o tal
manual para usufruir teria ido sozinha, ou com amigas, irmãs, com o
cachorro, comprava na internet, tudo, menos com o marido. Uma sutil (?) maneira de dizer
“benzinho, você está precisando afogar melhor o seu gansinho”?.
E o tal livro (acabei dando uma olhada) parece manual de
funcionamento de freezer. A tomada é aqui, você liga ali, tem um
botãozinho que faz isso, uma carrapeta que faz aquilo. Pior: sem
garantia, sem Procon.
Voltando
ao drama da alma masculina, por mais que as revoluções sociais,
conceituais ensinem, o homem precisa ser enganado. No fundo, lá nas zonas abissais do inconsciente, precisa achar que é o princípio, meio e fim de uma mulher. Precisa
ser herói, único, indispensável, insubstituível, eterno. O homem
sabe que é mentira, mas essa mentira é sua fonte de sobrevivência.
Em outras palavras, o homem é um imbecil. Ah,
mas as coisas mudaram, dirão alguns. Mudaram coisa nenhuma. O homem
ainda é o mesmo primata das cavernas, macho, guerreiro, predador de
lobos. E pobre da mulher que cair no conto da evolução.
Um
dos maiores confrontos do homem é o mistério que ronda o orgasmo da
mulher. Está provado que a maioria dos homens vai para a cama muito
mais interessado em fazer um belo workshop do que em sentir prazer.
Cama é uma espécie de showroom. Um leitor, certa vez, confidenciou
num bar na avenida Amaral Peixoto: “ Olha, não existe nada mais
importante do que uma mulher derrubada, com aquela cara de bagaço,
esgotada. É quando me sinto Hércules, Sansão, Homem Aranha”.
Perguntei sobre a sua satisfação pessoal. O cara riu, bateu com o copo
de Genebra na mesa e arremessou: “Prazer eu sinto com um cacho que
tenho lá em Raiz da Serra.”
O
homem é um golfinho de Miami sexual. Vai para a cama para ser aplaudido de
pé, ou de joelhos. Condenada estará a mulher que, estonteada pela
hipnose liberalista que de vez em quando bate em alguns, confessa que
ele é mais um. Ele sabe. Todos sabem. Mas o homem quer acreditar que é o único,
the best, The One, The Beatles naquele palco/cama.
Dentro dessa
conjuntura imagine o que o tal sujeito da livraria sentiu. Na pífia cabeça dele quando a
mulher ao pediu o Manual do Orgasmo, declarou publicamente que seu
macho falha, pifa, dá tilt, é mosca de padaria, siri na lata, leão da Metro.
Um
conhecido meu separou-se da mulher há uns dois anos. Vivia
reclamando que a vida estava ruim, que não a amava mais, etc.
Conversaram, muita choradeira e ponto final. Três meses após a
separação ele me contou que tinha dormido na casa dela. “Saudade
é fogo”, comentei. Mas ele rebateu: “Saudade nada. Soube que ela
já estava saindo com outro sujeito, me bateu paranoia e eu fui lá.
Conseguir melar tudo”.
O
pior é que, até hoje, quando a ex-mulher começa a se encostar em
outro ele vai lá e crau! Só para não perder o lugar que ele mesmo
não quis. E quando está bêbado afirma que ´ex-mulher existe, o que não existe é ex-vagina`. Alma masculina é
chumbo grosso.
Homem
liberal só existe em anúncios de uísque. Nós, machos, seres
rudimentares e inferiores, nascemos com várias escrituras
imaginárias na cabeça, e apesar da psicanálise, da cromoterapia,
da neurolinguística, dos florais de Bach, da homeopatia, das revistinhas de sacanagem de Carlos Zéfiro, enfim, de
toda a modernidade ainda somos os mesmos... e (por que não?) vivemos
como nossos pais, como cantou Belchior nos anos 1970.
Haverá
cura para o homem na sociedade contemporânea? Vai chegar o dia em
que ele conseguirá viver sem honra ou mérito, ou sem honra, ou sem
mérito? Será que um dia a mulher poderá comprar o Manual dos
Orgasmo o lado do marido como se estivesse comprando alpiste para o
canário? Viveremos momentos onde ex-mulheres imediatas (segundo a
literatura, a mulher se livra definitivamente de um homem num prazo
que corresponde a 20% ao da convivência. Exemplo: conviveu 20 anos
levará quatro para se livrar) poderão namorar livremente por aí?
Não. Porque o maior drama do homem não é viver sem mulher, e sim
viver sem urras, elogios e “obrigado meu amo”.
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