Troca de e-mails: fartura de mal entendidos no auge da era tecnológica

Tempos atrás enviei um e-mail para um amigo. Perdemos o contato desde que ele foi viver fora e, graças a um amigo comum consegui seu endereço eletrônico. Por que perdemos o contato?

Acidentalmente vi a ex-mulher dele na maior descabelação de fandangos com uma outra garota. Estavam encostadas numa pilastra no estacionamento de um shopping. Fiquei na minha, fingi que não vi e até tentei me esconder mas não adiantou. Ela me viu e quando o brejo veio à tona contou para o meu amigo que até eu já sabia.

O cara ficou enfurecido. Achava que eu deveria ter contado a ele já que a cidade toda estava sabendo. Tentei explicar que não sou lanterninha da vida alheia, fiquei e ficarei quieto sempre, etc. O cara deu uma sumida. Eu também não gostei do policiamento, desse papo “você tinha que fazer isso”. Qual é?

Para zerar tudo, espalhar bandeira branca por aí, tempos atrás sentei no computador, escrevi umas 20 linhas e, no final (lembro bem), digitei “aguardo resposta, meu chapa”. Até hoje não recebi resposta alguma.

A princípio achei que o cara não tinha recebido o e-mail mas, caso o endereço estivesse errado, a mensagem teria voltado. Chato, cri-cri, entrei em contato com o tal amigo comum que confirmou que o endereço era aquele mesmo. Eu ia mandar um segundo e-mail perguntando se ele havia recebido o primeiro, mas bateu o comodismo, o “dane-se”. Vai ver que a cornofobia bateu, ele lembrou da história do shopping e fez beicinho.

Se bem que chateado comigo ele não está porque na última vez que nos encontramos (ele estava até de mulher nova) rimos pra cacete, lembramos de alguns fatos da adolescência, eu desejei boa viagem, enfim, tudo azul. Mas como acho o silêncio uma forma de comunicação, fiquei meio encafifado. Voltei ao amigo comum que disse ter acontecido a mesma coisa com ele. Mandou um e-mail e o cara não respondeu. Esqueci o assunto.

Na magistral canção “Paula e Bebeto” (versão original do disco “Minas”, de Milton Nascimento), Caetano Veloso pergunta “qual a palavra que nunca foi dita?”. Muitas, Caetano. Muitas palavras ainda não foram ditas nesse oceano de silêncios estranhos que eventualmente nos rodeia à bordo da farta tecnologia, como o caso do meu amigo que caminha a passos largos para a cratera dos ex-amigos. Por causa de um e-mail? Sim, por causa de um e-mail.

Mais do que um artifício tecnológico, o e-mail transporta mensagens.
Na Europa inventaram um manual para o uso do e-mail e o primeiro item é “responda logo”. Recebeu? Responda. Mesmo que a resposta seja “recebi sua mensagem e logo vou responder”. Claro que estou me referindo a pessoas que nos consideram e vice e versa. E, assim que der, mande a resposta. O nome desse vai e vem de informações é Comunicação, uma ciência que (na boa) a internet está vulgarizando.
Outro cuidado é com o texto. Texto é uma ferramenta perigosa quando é mexida com intimidade por quem não tem intimidade alguma com ele. Exemplo: numa redação da vida nós (um pequeno grupo de quatro, cinco colegas que se tornaram amigos) nos tratávamos mutuamente de “canalha”. Telefone: “alô, canalha? Tudo bem?”. E por aí foi. A existência pulverizou esse grupo mas, sinceramente, se eu tiver que mandar uma mensagem para um deles hoje não vou começar com um “fala, canalha!”. Vai que o cara esqueceu de que nos tratávamos assim, ou que mudou de temperamento, ou que...entenderam? Outro perigo é esse trio que digitei aí atrás, os três pontinhos das reticências. Reticências abrem um universo de especulações.

Algumas pessoas são dúbias ao vivo e, no texto, essa duplicidade de comportamento existencial é simbolizada pelas reticências. Não me dou bem com pessoas reticentes. Aliás, me dou mal com pessoas reticentes. Prefiro um golpe brutal e certeiro do que petelecos, indiretas, reticências. Numa outra redação da vida um colega pôs reticências num texto e automaticamente ganhou o apelido de Monalisa, o enigma que Da Vinci pintou que não sabemos se ri ou chora. Pelo que sei, o colega nunca mais usou os três pontinhos para nada.





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