Funk carioca, ameba sonora e social que pretende virar patrimônio do Rio - golfadas vocais acompanhadas de sub-ritmos produzidos por computadores com mãe na zona, tudo servido com muito molho marrom de cocô

O funk carioca é um cancro que não tem nada a ver com o som forjado nos Estados Unidos na segunda metade da década de 1960, quando músicos negros, misturando soul, jazz e rhythm and blues, criaram uma nova forma de música rítmica e dançante. Músicas funk são comumente baseadas em um único acorde, distinguindo-se das canções do rhythm and blues, centradas nas progressões de acordes. A palavra funk vem do inglês que quer dizer medo, pânico, covardia.
Amo o blues, a origem de tudo, mas com raras exceções, sempre detestei o funk. Mesmo o original norte-americano. Uma questão de gosto, que não se discute. Ou se discute? Quando li o livro “Jimi Hendrix por ele mesmo” que reúne escritos do maior guitarrista de todos os tempos - e um dos mais completos (e complexos) artistas negros da história - ele tirou da minha língua o que sempre pensei, e sobretudo senti, sobre a música negra pasteurizada como, por exemplo aquela tão cultuada da Motown. Jimi Hendrix escreveu em seu grande livro:
A Motown não é o som verdadeiro de nenhum artista negro. É tudo tão comercial, tão bem construído, tão bonito que eu não sinto nada. Tudo o que eles fazem, e essa é a minha opinião, é colocar uma batida bem forte, uma batida muito boa. Depois põem umas mil pessoas tocando tamborim, mais mil metais e mil violinos e os vocais são sobrepostos milhões de vezes. Para mim isso soa tão artificial. “Soul sintético”, é assim que eu chamo a Motown”.
O blues migrou da África (Mali, com certeza) e atingiu em cheio os campos escravizados dos Estados Unidos. Ere diferente, mais percussivo, mas era blues. Que maravilha o blues. Que maravilha.
Vou a Wikipédia e arranco uma definição para funk carioca. Vamos lá: “O funk carioca é um estilo musical oriundo das favelas do estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Apesar do nome, é diferente do funk originário dos Estados Unidos. Isso ocorreu a partir dos anos 1970, quando começaram a ser realizados bailes black, soul, shaft e funk no Rio de Janeiro. (…) Apesar do nome, o funk carioca surgiu e é tocado em todo o estado do Rio de Janeiro e não somente na cidade do Rio de Janeiro.(…) Tornou-se popularmente conhecido em todo o Brasil e no exterior. Formar derivadas: Proibidão, funk melody. Em São Paulo: funk ostentação.”
No início deste século, a sequela sonora tomou conta do Brasil, mais ou menos na mesma época em que começaram a cuspir na música regional brasileira e inventaram o sertanejo e seus efeitos colaterais, semeados e cultuados na famigerada Casa da Dinda, onde vivia aquele bípede, hoje ex-presidente, que foi chutado do Planalto pelo povo. De vingança, deixou o “sertanejo universitário” e outros coliformes fecais como maldição. Maldição que pegou, lamentavelmente.
Quem força a barra tentando declarar o funk, sub-estilo sonoro com pretensão de se tornar musical, patrimônio carioca, numa boa, democraticamente falando, merece muito tapa na cara. Mais uma manobra para ceifar o poder do samba autêntico, negro, radical e maravilhosamente negro (esse sim, a alma do Rio) e difamar o já decadente universo cultural do Rio de Janeiro.
Esse funk que está aí não tem pai, mãe, irmã porque não existe. É um monte de golfadas vocais acompanhada de sub-ritmos sonoros produzidos por computadores com mãe na zona, tudo servido com muito molho marrom de cocô. Não restam dúvidas quanto a inexistência (ou existência oportunista) dessa bosta.
Acho que o Dr. Dráuzio Varella poderia fazer uma série sobre as influências dessa ameba social no comportamento humano do novo brasileiro, da nova classe média. Ou seria classe mídia?
Uma amiga que estava em Salvador, Bahia, teve o prazer, o privilégio de vaiar aquela baranga chamada Anitta com dois T, ícone do novo funk carioca, que tentou defecar sua música na capital baiana durante o carnaval. Até O.B. usado os baianos atiraram na funkeira carioca que, dizem colunistas de má reputação, teria se arrependido de tentar exportar seus coliformes sonoros para solo baiano. Foi despachada de volta para o Rio no dia seguinte, onde foi recebida com paquete vermelho na Marques de Sapucaí.
O problema é o tal funk carioca não chegou ao mercado sozinho. Ele arrombou a caixa de gordura de onde saíram o falso hip hop, o charm paraguaio e outros subprodutos de uma cultura que não conheço, nunca tive interesse de conhecer e por causa dela sou obrigado a andar com dois protetores auriculares marca 3M no bolso.
Sorte que não estou mal acompanhado nesse ponto de vista. B.B. King, que já entrevistei duas vezes, fez cara feia quando eu perguntei sobre o avanço desse tipo de funk pelo mundo. Outro gênio que também fingiu que não ouviu a pergunta foi Robert Cray, que entrevistei nos anos 1980. Ou seja, a ditadura desse funk só impera no Brasil e em outros países que tem no arrego o seu olimpo existencial porque lá fora há muita resistência. Muita.
Quem me conhece, ouve, assiste, lê sabe que não nutro preconceitos. Essa minha má vontade com esse funk que está por aí é conceito ou pós-conceito se quiserem uma definição mais elegante. Não posso sequer lembrar da voz aguda, lancinante e torturante de uma falecida cantora do mainstream-funk-romântico que morreu afogada em uma banheira e muito menos de um sujeito que processou o vizinho em Manchester, na Inglaterra, por se sentir “torturado” com um disco dessa cantora que o tal vizinho ouvia compulsivamente 24 horas por dia. O cara ganhou a ação e foi indenizado.
Seria leviano afirmar que funk carioca é música de bandido. Os ladrões da República, que enchem cuecas, bolsas e malas e carro com dinheiro público, preferem sertanejo universitário. O bando que assaltou (e ainda assalta) a Petrobrás adora aquela espécie de Neymar do sertão de acrílico chamado Luan Santana.
Com o famigerado funk carioca é diferente. A indústria da TV e do cinema tenta associa-lo ao tráfico de drogas, pedofilia e outras calamidades sociais. OK, podem associar ao que quiserem porque faz sentido, mas dizer que é cultura carioca é querer chamar pimenta na rabiola dos outros de Sukita.




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