A tirania do Politicamente Correto - por Warton Hertz* em seu blog
Muito
provavelmente, a maioria de nós já foi enganada pelo politicamente
correto. O termo é bonito, soa bem, parece polido, cheio de virtude,
digno de ser aprendido e posto em prática. Com o tempo, no entanto,
aprendemos que se trata de um embuste, mais uma daquelas novas
expressões incluídas em nosso vocabulário para confundir e dar
aparência de virtuoso àquilo que é vil, frívolo e indecoroso;
roupagem fina para grosseria, ou um lobo em pele de cordeiro.
Trata-se, na verdade, da pior ditadura que pode vir a existir: aquela
em que os súditos se encarregam de subverter e subjugar os seus
próprios comuns ao jugo de um poder tirano.
Essa
é a realidade da sociedade contemporânea. Quando conversamos,
dialogamos ou expressamos nossas ideias, fazemos o tempo todo como
que pisando em ovos. As pessoas tornaram-se extremamente sensíveis a
qualquer objeção ou ideia que venham a lhes desagradar. As palavras
devem ser cuidadosamente escolhidas, e é preciso ter certeza que
ninguém se sentirá ofendido com o que será dito.
O
politicamente correto é a versão real da novilíngua,
idealizada pelo governo autoritário do livro de ficção “1984”,
de George Orwell. A novilíngua não
nascia naturalmente como expressão da cultura e acúmulo de
conhecimento do povo, mas pela condensação e remoção dos
vocábulos e de seus significados, a fim de limitar o pensamento.
Simplesmente não pode estar no universo das pessoas algo que elas
não têm palavras para dar sentido pleno. Controlando, portanto,
a linguagem, os governantes controlavam os pensamentos e
qualquer oposição que pudesse surgir de novas ideias. Logo, não
era preciso se preocupar em proibir a menção de coisas, pessoas, ou
situações. Bastava diminuir o escopo de construção racional sobre
elas.
Da
mesma maneira, o politicamente correto quer sugerir verbetes que nos
imponham um pedido de autorização para falar sobre determinados
assuntos, tornando imoral o uso de sinônimos diversos. Começa-se
com coisas simples, aparentemente sem consequências importantes: o
aleijado é deficiente físico; o cego é deficiente visual; o
relacionamento homossexual é homoafetivo; o viciado é dependente
químico, e assim por diante. Por mais que saibamos que existem
maneiras discretas de se referir a determinadas situações,
tornamo-nos mal educados e incorretos pelo simples fato de usar
algumas palavras, que em si nada têm de ofensivas, são apenas
descritivas.
No
entanto, o mais grave ocorre quando da emissão de opiniões, de
ideias ou da consciência. Expressar desacordo tornou-se discurso de
ódio, e qualquer parecer contrário aos interesses de um determinado
grupo vira “fobia”. Ou seja, opinião é criminalizada sem a
necessidade de lei.
O
uso constante do sufixo “fobia” é uma clara imposição
da novílingua,
a aceitação forçada do discurso oficial, bem como o de rotular
oposição como discurso de ódio. Na era do politicamente
correto, todos nos tornamos, de alguma maneira, fóbicos e odiosos.
Se alguém não concorda como o modo de pensar ou de agir de
outra pessoa, logo é acusado de ter fobia e odiar aquele a quem se
opõe.
Uma
demonstração bem clara dessa prática se dá no caso do
programa Mais
Médicos.
Se você argumenta que o Brasil tem meios alternativos de resolver os
problemas da saúde pública com seus próprios médicos, e, por
isso, é contra a vinda de profissionais cubanos, vão lhe chamar de
xenofóbico. Não interessa que você levante bons argumentos
racionais, e que você não tenha nada contra os cubanos pelo fato de
serem de outra nacionalidade. Você se tornou xenofóbico. Ponto
final.
Igualmente,
se você é contra determinada ideologia ou partido político,
qualquer coisa que vier a falar contra eles, será denunciado como
discurso de ódio.
É
interessante também notar que isso cria uma armadilha para todos os
lados envolvidos no momento que se exterioriza discordância. Veja só
um exemplo que gera discussões acaloradas: quando o cristão defende
princípios conservadores acerca da sexualidade, ele é rotulado de
homofóbico. Ironicamente, a acusação retorna, e os homossexuais
são chamados de cristofóbicos. Trata-se, claramente, de um
coletivismo generalizado, que não expressa a realidade de nenhum dos
grupos.
Note
bem, basta acrescentar o sufixo fobia e pronto! Está aí a defesa de
tuas ideias. Faça-o de acordo com tua preferência: o importante é
dificultar que a outra pessoa construa argumentos, mesmo que para
isso seja necessário transformar o diálogo em ataque pessoal, fora
do campo da razão. Se alguém tentar argumentar contra uma prática
ou uma ideia, não deixe de gritar aos quatro cantos que aquele
discurso é cheio de ódio, e aos olhos de muitos, você sairá
vencedor.
Quando
o debate e a expressão são limitados, em vigia constante de uns
sobre os outros acerca do que é certo dizer ou não, sobre quais
palavras podem ser usadas e acerca do que se é permitido pensar, o
diálogo, o confronto de ideias e a dialética tornam-se impossíveis.
Instaura-se, assim, uma ditadura disfarçada e alimentada pelos
próprios escravizados.
O
que resta é o silêncio: vivemos a tirania do politicamente correto.
* Bacharel
em Direito pela UniRitter. Mestre em Teologia e Ética pela Escola
Superior de Teologia de São Leopoldo. Aluno do Seminário Martin
Bucer. Advogado na Vieira & Regina Sociedade de Advogados, em
Porto Alegre.
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