Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, ano 50
Há
50 anos nasceu o álbum que mudou a vida do mundo todo, menos a
minha (?). Oitavo álbum dos Beatles, “Sgt.
Pepper's Lonely Hearts Club Band
“ foi
parido nos estúdios Abbey Road, em Londres, no dia 1 de junho de
1967. No estúdio ao lado, o Pink Floyd gravava seu álbum de
estreia, “The
Piper at the Gates of Dawn”.
Na nossa rua em Icaraí (bairro da extinta Niterói), estávamos
todos na puberdade existencial, social, sexual e musical e quando o
“Sgt. Pepper’s” saiu no Brasil, com aquele vinil vagabundo que
parecia uma calcinha de seda (no mau sentido), capa nas coxas, caro
pra cacete e tudo mais, percebemos (bando de crianças) que os
Beatles tinham dado um cavalo de pau.
Quando
“Sgt. Peppe’rs” pousou no meu toca discos, quase chorei de
emoção. Mas chorar para mim sempre foi difícil. Hoje
é
impossível. A cada faixa as emoções me inundavam, senti saudade de
um futuro que não sabia qual era e de uma cidade chamada Londres que
não conhecia. Minha
amada mãe percebeu que eu, que tinha a rua como primeira casa, agora
vivia trancado no quarto ouvindo o que ela chamava de “música
linda”.
Me
ouvindo esculachar a edição brasileira do disco, ela fez uma
surpresa. Acionou minha madrinha Alita (perdão, perdão, perdão por minha ausência nos seus últimos dias, minha madrinha)
que morava em Copacabana, que
foi a Modern Sound, comprou o “Pepper’s” importado e fez chegar
a minha casa. Presente para meu irmão e para mim.
Quando
eu e César (meu irmão, conhecido como Fernando Mello, já que se
chama Fernando César) ouvimos pela primeira vez não acreditamos: 1
– que um disco pudesse ter um som tão bom; 2 – que o Brasil
pudesse ser um país tão merda também no quesito
qualidade
industrial.
Comecei
a tocar contrabaixo por causa de “Sgt. Pepper’s” (algum
professor melhor do que o Macca?) sem saber que o resto do mundo
estava fazendo a mesma coisa. Ia
para o colégio pensando em “Getting Better”, Fixing a Hole”,
“Sgt. Pepper’s, “Lovely Rita”, “Withing You Without You”.
Chegava, almoçava, ouvia o disco e ia fazer o que tinha que fazer.
Foi
mais ou menos nessa época, 1967, que de tanto ser chamado de “bom
garoto, uma alma linda, amigo e solidário”, percebi que não
passava de um babaca, tolo, otário, panaca, daqueles
que pediam para ir ao zoológico só para ver passarinhos que foram
meus amigos de infância: tiê-sangue, canário da terra, coleiro,
saíra, todos em viveiros gigantes.
Numa dessa visitas, com o
colégio, levei o toca discos Belair só para ouvir “Sgt. Pepper’s”
(o nacional, não o importado) contemplando os passarinhos. Uns
alunos mais velhos, de outras turmas, de sacanagem chutaram meu toca
discos, que não quebrou. Mas o vinil andou como uma roda e foi parar
longe. Poderia ter chamado um inspetor do colégio, mas delação era
falta
de caráter
e não babaquice.
Mais
tarde, comprei fluido de isqueiro e incendiei as pastas escolares dos
quatro, utilizando a velha “bomba relógio” na
hora do recreio, enquanto eles batiam em crianças menores no pátio;
uma guimba de cigarro acesa, espetada a ela um palito de fósforo
colado a um pequeno frasco de fluido de isqueiro. Era só acender,
sair e esperar 5 minutos e pou! E foi o que aconteceu. Eles
perderam todos os livros, cadernos, anotações que estavam em suas
pastas só porque chutaram o toca discos de um babaca no jardim
zoológico. Dois perderam o ano e nunca ninguém soube quem foi o autor do justiçamento.
Meu
tio Evaldo, irmão do meio de minha mãe, também se encantou com
“Sgt. Pepper’s”, e um dia lá em casa disparou um míssil que
até hoje frequenta meu inconsciente: “Sobrinho, você não tem
nada a ver com o Brasil. Nada. Pense em ir viver no exterior.
Sobrinho, você é a cara de Nova Iorque, Los Angeles, Londres. No
futuro dê um jeito de fazer intercâmbios e fique por lá. Faça
isso! Não digo só pela música, mas por sua personalidade, o seu
perfil, entende?”. Eu disse que sim, mas não havia entendido nada.
Amigo
dos tropicalistas, tio Evaldo sabia que a chaleira estava quente
politicamente por aqui e que “Sgt. Pepper’s” havia influenciado
diretamente o movimento, em especial Gilberto Gil, Jorge Mautner e
Torquato Neto. Pode ser que tio Evaldo tenha me alertado, “cai fora
para não ir em cana pensando e sentindo o que você pensa e sente”.
Um ano depois, 13 de dezembro de 1968, o AI-5 atirou o Brasil nas
trevas, vieram a tortura, o desaparecimento de pessoas, a mordaça
geral, mais tarde a abertura, eleições diretas, a vitória da
liberdade, Collor, Itamar, FHC e, de novo ditadura, tão ou mais
daninha e ladra, a ditadura sindical que, como não se bastasse, inventou essa ameba chamada Temer.
Tio
Evaldo tinha razão. Eu deveria ter me mandado, mas, como já disse,
sempre fui um babaca. E viva os 50 anos de “Sgt. Pepper’s Lonely
Hearts Club Band” !