Não falou, não disse

Keith Emerson

Em 1969, Honduras e El Salvador entraram em guerra por causa de uma partida de futebol que valia uma vaga para a Copa de 70. Honduras venceu por um a zero, o povo de El Salvador foi para as ruas e a confusão terminou em guerra. Guerra não declarada.

Há anos, muitos anos, havia problemas entre os dois países, mas que não eram ditos. E o ser humano, até segunda desordem, só entende o que é dito, de preferência clara e nitidamente. No caso, a panela de pressão (no fogo) entre os dois países chegou a tal nível de silêncio que explodiu.

Não nasci para viver situações como essa. Jamais seria ministro do tse (assim mesmo, em minúsculas) para ser obrigado a entender o subtexto de um colega de toga ameaçando (com sinais) com a degola via radicalismo islâmico (“ira do profeta”) um sujeito não citado que o teria envolvido na Lava Jato. Para mim não disse nada.

Se não me mandarem a merda, não irei. Se não me disserem pode entrar não entrarei. As insinuações da política e sua sublinguagem deformada e esquizofrênica do gênero “Excelência, por obséquio vá tomar no c...” não estão no meu cardápio de entendimento.

Dizem que o que nos difere dos primatas é a fala. Se o sujeito diz “declaro aqui nesta corte (em minúsculas) que vou degolar Fulano de Tal por ter dito isso e mais aquilo de mim” é papo de humano. Agora, insinuar citando iras e similares, nada disse.

Romeu e Julieta foram pras picas por falha na comunicação. Marco Antonio perdeu 400 navios e o Império Romano porque tentou decifrar os enigmas e subtextos da sinuosa Cleópatra, que em suma queria dizer “perdeu, meu chapa”, mas não disse.

Honduras e El Salvador não declararam guerra. Ficaram quietas, magoadinhas, fazendo beicinho na penteadeira do quarto achando que uma estava entendendo a fúria silenciosa da outra. Bastou uma merreca de jogo de futebol para explodir tudo.

Ou seja meritíssimos, meretrizes, celacantos em geral: quem nada fala, nada diz. 

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