Eternas Capitanias Hereditárias
Meritocracia. Linda palavra. Presença obrigatória em comícios, entrevistas,
aparições na TV de qualquer político. Meritocracia significa
vencer na vida pelo mérito pessoal, pelo talento, criatividade,
ética. Mais nada.
Nesse
início do século 21 podemos observar que nunca (ou quase nunca) o
nepotismo, os pistolões, a ação entre amigos esteve tão presente,
especialmente em setores como a música, jornalismo e, naturalmente,
a política.
Na
música, chega a ser engraçado. Entramos na internet, abrimos os
jornais ou ligamos a TV e o que mais vemos é a “descoberta de
talentos” de filhos, netos, sobrinhos, maridos de medalhões.
Cardumes e mais cardumes de piranhas. As Capitanias Hereditárias do
velho Império tiveram seu conceito eternizado e transplantado para
outros setores.
É
comum lermos que “Fulano de Tal, que toca o instrumento X é filho
do lendário Beltrano”. Toca bem? Não informam. Toca mal? Não
informam. A matéria, em geral escrita por cupinchas da
Capitania, só se interessa em dizer que o filho ou a filha do
medalhão está em cena. Ponto. Para ele, é o suficiente e o leitor
que se dane.
No
jornalismo (como em toda a área de Comunicação) é tão
melancólico quanto. A enxurrada de sobrenomes iguais (é muita cara
de pau) denuncia o nepotismo. Não haveria problema (ninguém aqui é
moralista) se o filho do Pluto, digamos assim, tivesse o mesmo
talento do pai. Em geral, não é o que acontece. Filho de barrigada
mal dada, ao contrário do pai (ou do avô, tio, primo e similares)
apura mal, escreve mal e tem a cara de pau de partir para o abraço
assinando a matéria, aplaudida pela horda ignara.
Como
a avaliação do talento na arte, cultura e mídia é subjetiva, a
coisa fica no zero a zero. Mas no caso, por exemplo, de um
neurocirurgião (e de muitas outras profissões que exigem notório
saber) a situação é completamente diferente. Exemplo: se Paulo
Niemeyer Filho não tivesse tanto ou mais talento do que o pai, muita
gente teria morrido na sua mão e ele teria sido rifado do mapa. Mas
por ser muito bom e, também, ser filho do grande Paulo Niemeyer, ele
atingiu alto grau de reconhecimento de seus colegas médicos e da
chamada opinião pública.
Enquanto
isso, nas Capitanias Hereditárias da mídia, li semanas atrás uma
“reportagem” entre aspas assinada por um venal, falando de
músicos medíocres, numa festa realizada num questionável e
decadente "ponto da moda", lançando um disco vulgar, com a
presença do famoso pai e avô dos músicos, mais mãe e avó e uma
montanha de artistas famosos. O venal "jornalista" entre
aspas, que também se acha diretor de cinema, faz clipes para a tal
banda. Ah, sim, o pai do tal repórter é amiguinho do pai dos
músicos. Resumindo: músicos filhos de pai e avós famosos, ganham
reportagem escrita por um amiguinho que é também diretor de seus
videoclipes e filho de um amigão do pai da banda. Que coisa.
Dizem
que é sinal dos tempos. Não sei. Só sei que é fácil acusar a
internet pelo fim do disco, dos jornais, das revistas. Até que ponto
a tal maioria silenciosa perdeu a paciência com esse lixo produzido
e cultuado pelas Capitanias Hereditárias? Ou o nepotismo acha que
ninguém está notando, que ele é blindado, à prova de mérito?
É
melancólico.