Sozinho não dá
Óleo sobre tela de Anna Razumovskaya
Jajá foi um mestre acidental
que ganhei em meados dos anos 70, quando já estava submerso no jornalismo. Jajá
era 30 anos mais velho do que todos nós, com certeza tinha o melhor texto que
conheci e foi correspondente no Vietnã, no auge da guerra, entre 1969 e 1971. Trabalhou
em Londres também como correspondente.
Em 1976 passou uns meses em
Niterói. Foi aposentado por problemas emocionais, não por causa do Vietnã mas
pela cobertura jornalística que fez do incêndio do Edifício Joelma, em São
Paulo, em fevereiro de 1974 matando 191 pessoas. Ele dizia, sempre emocionado,
que “aquelas cenas...eu jamais esquecerei o que vi...jamais entenderei, jamais
entenderei”.
Ele contava que para aliviar
a dor começou a beber muito, “até ser resgatado por colegas em lixeiras de
Londres. Mesmo assim não parei. Eu precisava afogar minhas lembranças nos
copos, muitos copos, que me fizeram perder mulheres trabalhos e me levaram a
aposentadoria precoce. Mas a vilã maior foi essa moleca chamada cerveja. Tem pinta de refrigerante, fraquinha, ares de inocente, fui bebendo regularmente até constatar, anos depois, que estava alcoólatra”. Ele em Minas Gerais.
Sua narrativa era irônica e
debochada e certa vez, sentado na sua mesa predileta na extinta Leiteria
Brasil, que ficava na rua da Conceição, Centro de Niterói, após vários chopes e garrafas de vinho Chateau Duvalier, revelou que iria escrever um livro chamado
“Sozinho não dá”.
Como assim, Jajá? “Olha, por
mais que o homem pise na lua, e chegue a Marte, a solidão continuará sendo a
nossa maior predadora. O ser humano é bicho de bando, quem negará isso? Se você
pensa em levar a vida sozinho ou, pior, acabar a vida sozinho em nome de
qualquer razão está fodi... Tudo o que fazemos, pensamos e sentimos não é para
que. É para quem. Todo mundo sabe que compartilhar a vida com uma mulher não é
só sexo, birita e rock and roll porque em vários momentos o jogo fica pesado. Por isso sempre
digo que sozinho não dá.”
Rebati dizendo, da várzea de
meus 21 anos na época, que jamais havia projetado uma vida solitária, mas ele
me cortou. “Tudo bem, você pega uma ali, meia dúzia acolá, mas e quando chegar
a tal da meia idade quem vai comemorar com você 20 anos de relação? Quem vai te
acordar no meio da noite notando que você está passando mal? Em suma L.A. (ele
me chamava de L.A.) quem vai cuidar de você com o maior prazer, porra? Mais: de
quem você vai cuidar? Quem você vai de levar para viajar e se divertir? Para
quem você vai acordar no meio da noite para ir uma farmácia comprar remédio
contra cólica? Sozinho não dá”.
Não sei se ele escreveu
“Sozinho não dá” e um outro romance “Nunca mais 50”, sobre a péssima
experiência que sentiu ao virar um cinquentão. Não sei se escreveu, mas
publicar não publicou pois nós teríamos sabido. Ele disse, inclusive, que iria
dedicar o livro a um amigo inglês que quando fez 90 anos optou pela auto
eliminação. Bebeu veneno. “Ele dizia que a sua validade existencial já havia
vencido”, contava o Jajá. Aliás, pensando bem, faz sentido.
Fato é que “sozinho não dá”
virou um mantra em mim, o que acho
extremamente saudável. Não tenho vocação para cachorro louco e nem para
egolatria, seja leve, média ou grave. Sempre apreciei o trânsito intenso de
afeto, companheirismo e solidariedade porque, afinal, a minha senha também é
“para quem” e não “para que”.
Afinal, sozinho não dá.