Consumismo lisérgico

Um amigo, giga intelectual, tem um Fusca 1982 na garagem de seu prédio, no Leblon. Ele me disse uma vez que o melhor carro do mundo é o táxi. Concordei.
Quando vivia em Paris, anos 70, ele tinha um Citroen 2 CV, xodó dos existencialistas. Foi ele quem me apresentou a Oscar Niemeyer na célebre tarde em que o mestre da arquitetura decidiu almoçar num restaurante no Flamengo, Rio.

Pessoas assim mostram que esse papo de mundo obsoleto é e sempre foi uma grande babaquice, mas lamentavelmente muita gente é escrava da seita “se liga, se liga freguesia, celular é nas Casas Bahia.

Em 1976 eu estava no MAM, Rio, cobrindo o velório de Di Cavalcanti. Era repórter da saudosa Rádio Jornal do Brasil AM, ícone do jornalismo.
De repente entra Glauber Rocha. Suado, descabelado, com um outro cara com uma câmera Bolex de 16 mm. Maior escândalo. Glauber gritava “close na cara do defunto! Close na cara do defunto” e o cinegrafista praticamente trepava no caixão para arrancar o close da cara do Di Cavalcanti. 

Claro, fui falar com o Glauber que eu conhecia das telas do cinema. Aos berros, olhou pra mim e vociferou “esse aí....o Di... nunca pintou modelinho de revista. Esse aí...o Di, nunca acreditou em arte obsoleta como a minha. Não é isso que falam de mim...hein?!?!”, me perguntou, olhos arregalados. Nada respondi porque ainda não tinha chegado a uma conclusão sobre “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na terra do Sol” que assisti, sem camisa (ar condicionado pifado), no Cinema Um na Prado Junior (Copacabana), lendária Pradão, que fez um Festival Glauber.

Para não variar o ar condicionado do cinema estava pifado, para não variar a maioria dos homens estava sem camisa, e para não variar uns cinco ou seis estavam só de cueca, um hábito totalmente glauberiano que virou norma naquela sauna.

No festival Bergman, e no Truffaut e no Godard,  o traje cueca começava a virar padrão naquele templo do novo cinema na Pradão, rua de belas putas populares. Um dia, um homem que se dizia gerente do cinema, de terno, gravata e advogado a tira colo, entrou, mandou acender as luzes para expulsar os seminus. Ninguém saiu, as luzes apagaram e a sessão continuou. Enterraram o assunto. O cara sumiu. O advogado também.

O consumismo nasceu obsoleto porque já carecia de um novo modelo para faturar. O sujeito compra um carro, paga 70 mil, fica todo satisfeito e no semestre seguinte mudam o farol, as lanternas e o câmbio. É trocar ou perder 80% na desvalorização. Em semanas seu “último tipo” passa a condição de ultrapassado. Incomodado, o ex feliz proprietário arranca sangue das vísceras e troca (perdendo um dinheirão) o “velho” por um novo que, seis meses depois sai de linha para dar lugar a um outro modelo. E por aí vai. Ladeira acima? Ladeira abaixo? Não sei. Não sou economista e muito menos veterinário para entender os pitís (não tem acento agudo no i) da sociedade emergente.

Quando começou aquela conversa sobre compra de aviões de caça para a FAB (Uber pago por nós para atender os vadios de Brasilia), o “muso” era o F-18. O Brasil comprou o Gripen, puro sangue da Suécia (negociata?). Os americanos matavam com fuzil AR-15, mas os russos ensinaram a fazer fuzis melhores lançando o ultra fashion AK-47 que tem um jeitão meio vintage. Deem uma olhada nele, atrás do inexistente Bin Laden. O AK é um fuzil autoral.

Segundo a Wikipidea foi inventado em 1942 por Mikhail Kalashnikov que morreu ano passado, um jovem sargento das forças blindadas soviéticas que levou um balaço em 1942 e, no estaleiro, inventou o AK, arma de grife que os traficantes do Rio cultuam como a uma música de Pablo Vittar, ícone também do narcotráfico consentido. Ah, sim, lembrei do extinto (?) pagodeiro Belo, preso dentro de um armário, em casa, cheio de armas e drogas anos atrás. Que fim levou esse Boletim de Ocorrência? Tornou-se obsoleto?

É preciso estar muito atento e forte para não ceder a ditadura nada branda dos reaças que apregoam o estado obsoleto de ser. Até implantes dentários entraram nessa porque, dizem, o parafuso de titânio é melhor do que a coroa de ouro, li numa revista de inutilidades numa ante sala.

Será que um dia haverá homens e mulheres com a validade vencida? Por falar nisso, sabem o que um médico amigo me disse? Fazendo meia com o governo, laboratórios estão reduzindo de propósito a vida útil dos remédios para que a validade vença logo e o consumidor tenha que comprar o modelito em voga. Mais: ele me disse que muitos remédios vem com 28 comprimidos porque os laboratórios sabem que o médico vai prescrever para 30 dias e o infeliz do consumidor, no comprimido número 28, terá que comprar outra caixa. É dose? Não, não é. 

Já era.


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