Bonzinho é o cacete!
Em seu “Diário de Viagem”, o filósofo Albert Camus conta
que quando esteve no Rio, em 1949, ciceroneado pelo grande Abdias Nascimento,
pediu para conhecer um centro de umbanda. Era agosto, um agosto mais para verão
do que para inverno. Abdias providenciou um táxi e foram, ele e Camus, em
direção da Baixada Fluminense onde ficava o centro. Só que, no caminho, nas
imediações da Praça da Bandeira, um caminhão atropelou e matou um homem. Os
dois viram tudo.
Antes da ambulância, da polícia e dos bombeiros, um Camus
boquiaberto viu chegar um grupo de pessoas que levantava o rosto do atropelado,
para...ver. Horrorizado ele conta ainda que em seguida, “surgidos do nada”,
pedaços de jornal e velas. O corpo foi coberto, as velas acesas e as pessoas
ficaram em volta.
De vez em quando um ia lá e levantava o jornal para ver a
cara do morto. Camus não entendeu nada e Abdias não quis dizer que tratava-se,
mais uma vez, de uma manifestação da nossa morbidez.
A espécie humana é perversa, uma falha que veio surfando
em nosso DNA. A audiência cavalar de programas mundo cão, em todo o mundo, é
uma prova disso, mas aqui no Brasil o processo é mais descarado. Simulando
horror, as pessoas se amontoam em frente a TV para ver como foi feito o buraco
onde madrasta enterrou a criança viva. Chegam mais perto da TV para verem as
imagens da privada atingindo e matando o torcedor no nordeste e fingem que se
envergonham ao saberem que uma inocente, acusada de sequestradora, foi linchada
por engano no Guarujá.
"Repórteres" passaram dias perguntado aos
habitantes de Chapecó "como estavam se sentindo" diante da queda do
avião com o time. Adivinhem como as pessoas estavam se sentindo? Em frente a
câmera, balbuciavam alguma coisa e choravam, para orgasmo da câmera que dava um
close para mostrar as lágrimas, o horror. A cena foi ao ar num viveiro de neo zumbis
chamado “Profissão Repórter”.
A audiência insaciável pega o controle remoto e passa a
noite catando sangue. A ponto do autor de uma novela das nove ter inserido
violência na trama para subir a audiência. Me disseram que a novela das nove,
“Força do Querer”, ensinava criminalidade.
Nos anos 1970 a atriz Kate Lyra (norte-americana, na
época casada com o compositor e cantor Carlos Lyra) tinha um quadro de humor na
TV cujo bordão, debochado, era “brasileiro é tão bonzinho...”, como se dissesse
"bonzinho é o cacete!