Por que Mark Knopfler ainda não ganhou um Oscar?
Estou ouvindo “Altamira”, vigésimo
álbum de Mark Knopfler, escocês 68 anos, criador do Dire Straits, que
tem como diferencial um traço raro. Nunca fez um trabalho razoável. São
todos, absolutamente todos, bons ou excelentes. Com ou sem o Dire
Straits.
Apaixonado pelo Cinema, é dele
trilha sonora de um filme magistral e muito simples chamado “Local Hero”, de
Bill Forsith com Burt Lancaster, que lamentavelmente passou batido pelos
cinemas brasileiros. Motivo: o filme foi (des) qualificado como anticomercial.
Mas se você é assinante de um
bom canal de streaming (Netflix, Now, Apple TV, etc) ou de uma
ótima (e rara) com certeza vai achar “Local Hero”, que no Brasil chamou-se
“Momento Inesquecível”. Significa que se você pedir “Local
Hero”, provavelmente vão responder “não tem”. Ou seja, você vai ter
que pedir “Momento Inesquecível”, da mesma forma que Blow Up
de Michelangelo Antonioni foi lançado no Brasil como “Depois Daquele
Beijo”. Só rindo.
“Local Hero” foi a primeira
trilha sonora de Knopfler, lançada no Brasil em 1983 pela Rádio Fluminense FM,
graças ao saudoso Carlos Celles que me deu uma fita em primeiríssima mão. Ele
era diretor internacional da gravadora Polygram.
A gravadora me convidou com um
pequeno grupo de jornalistas para assistir
“Local Hero” numa sessão privada.
Fui porque queria ver onde aquela trilha sonora mágica, lírica, um pouco lúdica
de Knopfler foi inserida. Comoção no meio do filme tamanha a
simplicidade, pureza, poesia que o diretor Bill Forsyth conseguiu passar para a
tela.
A música, grandiosa música de
Knopfler em seus momentos mais astrais (ele consegue fazer um clima totalmente
astral em vários momentos da trilha) me deslocou para dentro da tela, para
lugares na Escócia absolutamente mágicos como Pennan, Aberdeenshire, praia de
Camusdarach e eu fui mergulhando, mergulhando, mergulhando, desejando estar lá,
viver lá, contemplar aquelas aldeias remotas com suas auroras boreais que o
bilionário Felix Happer, magistralmente interpretado por Burt Lancaster,
venera, ama.
Lembro que, conversando com
Celles, disse que já sentia nas canções de Mark a bordo do Straits um forte
componente visual. “Skateway”, por exemplo, é uma amostra disso e não foi à toa
que está no álbum “Making Movies” (“Fazendo Filmes”), sensacional,
absolutamente sensacional como tudo que o Dire Straits gravou.
Em 2001 assisti com meu amigo
Siri Mark Knopfler ao vivo no antigo Metropolitan, na Barra. Ele estava
lançando o álbum “Sailing to Philadelphia” e o local estava superlotado. Fiquei
exatamente na primeira fila, a poucos metros do palco, bem na frente dele e,
com certeza, não vou esquecer de cada segundo daquele show, que foi, sim, frio,
burocrático, distante. Em determinado momento fui lá na house mix (mesa de som)
e pedi ao cara para subir o som da guitarra, que estava baixo demais. O cara,
provavelmente inglês, olhou para mim com aquela cara de fastio e permaneceu de
braços cruzados.
Antes do show acabar, um
colega jornalista chegou e me disse que M.K. estava querendo saber “quem é o cara
que fez vários especiais sobre o Straits na TV e no rádio e, ainda por cima,
escreveu uma matéria de capa sobre mim num importante jornal (era o Jornal do
Brasil)”. Perguntei ao colega, “o que isso significa?” e ele “meu chapa,
significa que, depois do show, se você quiser ir conhecer o cara no camarim não
haverá problema”. Não fui. Temor reverencial.
O álbum Tracker me pegou pelo
pescoço. Banhado de blues, folk e slides guitars (universo tipicamente
knopflerniano) o disco não economiza. É leve, eventualmente dá uma pesada
(sempre pelo flanco folk), depois volta. Enfim, em se tratando de música, Mark
Knopfler consegue fazer o que quer, o que é muito difícil num planeta afogado
em tecnologia de ponta e mediocridade de quinta.
O Cinema deve um Oscar de
melhor trilha a Mark Knopfler. Se não for Oscar, que seja algo similar. Afinal
já foram trilhas sonoras magistrais, compostas para os mais variados filmes;
ingleses, irlandeses, escoceses.
O Cinema deve um prêmio a
ele e sabe disso.