Provisória e linda
As montanhas nevadas são mágicas. Mágica utopia. Poucos sobem
porque poucos desciam, anos atrás. Eterna cicatriz.
Cabul com C, 3,6 milhões de habitantes,
espalhados e escondidos por 700 quilômetros quadrados. Kabul com K está nos
livros. Linda, suave, lúdica como as pipas, milhares de pipas que meninos,
meninas, homens feitos empinam em todos os lugares.
No pequeno quarto, iluminado por um abajur, lê-se que Cabul tem mais de 3.500 anos de idade; foi disputada por
muitos impérios por sua localização estratégica, no meio das rotas comerciais
da Ásia Central e Meridional.
Há paz em Cabul, apesar das recentes e turbulentas invasões.
Em 1979, sangrou na invasão da União Soviética que ocupou o país por 10 anos,
até ser vencido pelos afegãos.
O Império do Medo é aqui, desde antes de Alexandre, O Grande.
Com a retirada das tropas soviéticas, guerra civil. Cabul foi dominada
pelos talibãs
e, finalmente, ocupada pela Otan em 2001.
Desde 2003 a cidade vem se reconstruindo, devagar como a
sua longa história. As novas gerações acreditam que a reconstrução pode ser definitiva,
os mais velhos, calados, rugas de sol marcando o rosto, sabem que Cabul é tão
provisória quanto a vida. Por isso, bela, cobiçada, destruída, reconstruída,
bela, cobiçada, destruída, reconstruída...
Os talibãs agem menos, mas agem. Mas não dá para fugir,
deixar a paz interior que resiste ao cheiro de pólvora e enxofre, casas, vilas
bairros arrasados.
Acreditar em Cabul é acreditar na vida. Provisória e
linda. Há amor, há inocência, há pureza, há afeto, há gente. Há bombas, há
tiros, há açoites. Mas há Cabul.
O diário registra cinco anos de andanças em trilhas possíveis,
onde se cruza com gente risonha, alegre, mesmo que faltem dentes, ou uma perna,
um braço. Não falta força.
Cabul existe porque Cabul resiste. As pipas coloridas das
crianças e de muitos homens feitos são uma amostra. Uma amostra que mesmo
frágil o papel fino consegue voar, alto, imponente, contra o vento.
Como Cabul.
Como a vida.