Ouvindo estrelas
A Nasa vai lançar neste sábado
a sonda espacial Parker Solar Probe, que se aproximará do Sol como nenhuma
outra. Ela decolará da plataforma de lançamento de Cabo Canaveral
(Flórida, EUA) e viajará através da atmosfera do Sol, a "somente" 6,2
milhões de quilômetros da superfície solar, a uma distância "sete vezes
mais próxima" do que qualquer outra nave. Vendo imagens da sonda e da
beleza do universo, minha memória voltou lá atrás.
O cheiro do mar misturado ao do óleo dos navios arrancam
minha comoção pelos poros. Cheiro de minha infância, vivida entre sabiás,
coleiros e muitos navios de guerra. Muitos. Meu pai à bordo deles. Hélices
misturando o aroma de maresia com óleo combustível, a prudente lentidão da vida
na pequena vila e também no convés cinza chumbo da nau gigantesca.
Há uns anos, fui a praia de Itaipu a noite e, boiando,
fiquei olhando para o céu, aproveitando a onda de paz interior que naquela
época me invadiu. Saudade, muita saudade. Da onda e da paz interior. Avistei um
satélite artificial cumprindo a sua missão, em órbita constante singrando a Via
Láctea. A emoção me tomou de novo, reforçada pela trilha sonora suave das ondas
pequenas e distantes, desabando na areia.
O céu, em maio, em pleno outono, com cinco anos de
idade fui levado por meu pai para a praia da vila onde vivi a infância. Todas
as pessoas com binóculos, lunetas e até um telescópio diziam estar avistando o
Sputnik 4, satélite artificial russo.
Não entendi porque o Sputnik que vi nas fotos da revista
não tinha nada a ver com aquele minúsculo ponto luminoso, menor do que todas as
estrelas, do que todos os coleirinhos que cantavam no alto dos ingazeiros e que
cortava rápido, bem rápido, o céu. O Sputnik das fotos não era um ponto, mas
uma pequena esfera de metal. Eu vi.
Meu pai explicou. Falou da distância, da luz do sol
incidindo na esfera, falou do céu, das estrelas, falou de novo dos satélites
artificiais, do seu brilho fixo, oposto ao cintilar eterno das estrelas. Falou,
falou, falou e recitou um poema. Olavo Bilac:
"Ora direis ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Não entendi nada sobre a incidência da luz, o tamanho do
Sputnik, gravidade, força, mas ali, naquela noite de 15 de maio de 1960, meu
pai me ensinou a ouvir estrelas e a perceber os aromas do mar.
E nunca mais esqueci.
Meu irmão também não.