Cena de Cinema


Lembro tão bem que sinto um nó na garganta. Depois de dois dias esperando uma ligação telefônica que não veio, fui ao cinema assistir “O Resgate do Soldado Ryan”, de Steven Spielberg.

História real. Ao desembarcar na Normandia, no dia 6 de junho de 1944, o capitão Miller (Tom Hanks) recebeu a missão de comandar um grupo para o resgate do soldado James Ryan, o caçula de quatro irmãos; três haviam morrido em combate. Ryan estava dentro das linhas inimigas.

A medida em que o filme foi desfilando na telona comecei a me identificar muito com o capitão Miller e lá pelas tantas, no auge da história, o nó na garganta se tornou choro compulsivo, que consegui disfarçar bem. Eu acho. Quando o capitão Miller, já em agonia, disse para Ryan “faça por merecer!” (quem assistiu o filme sabe o peso dessa frase) meus olhos estavam desfocados de tantas lágrimas. Era 1999. Vi o capitão Miller em mim e me vi no capitão Miller. 

O Cinema, a Literatura, a arte em geral tem esse poder, essa magia, essa força que nos joga nas telas (e nas páginas) para onde transportamos nossos momentos e os vemos incorporados em outros. No dia do “Soldado Ryan” percebi que muita gente chorava diante da carga que o monumental Spielberg despejou na tela. Provavelmente muitos se sentiam o Ryan, ou a mãe dele, ou os irmãos.

Um dia desses criei uma micro coluna chamada Cena de Cinema, no Instagram e quem quiser conhecer é só entrar, acesso liberado. Nela, cito filmes que gostei, com data e diretor. Em alguns senti necessidade de publicar poucos detalhes e para a minha orgásmica surpresa notei que tem muita gente curtindo. O que era para durar um dia, acabou ganhando asas e publico até hoje.

Foi fazendo essa micro coluna digital que reafirmei o quanto o Cinema foi, é, e será importante nas nossas minha vidas. O Cinema transforma em imagem, áudio, movimento, muita coisa que sentimos (ontem e hoje) e vamos sentir, individual e coletivamente, passando a impressão de que a maioria dos temas mundiais, de novo individuais e coletivos, já foram colocados na telona. Foram ou vão ser. O Cinema é um gigantesco documentário sobre nós. Seja comédia, ação, drama, suspense, terror. Seja brasileiro, americano, europeu, asiático, mexicanos, do Oriente Médio.

Tempos atrás fui escalado para participar de uma entrevista coletiva com Catherine Deneuve no Copacabana Palace. Foi em 90 e tal. Ela era mais do que diva. Quando assisti “A Bela da Tarde” (de Luis Buñuel), um gigantesco ícone da minha adolescência, Catherine foi promovida a condição de concubina inconsciente e quando o carro de reportagem se aproximou do Copacabana Palace pensei “vai ser bom conhecê-la porque a verei de dia, normal, sem maquiagem de set de cinema, sem falas ensaiadas, não verei o mito e sim a pessoa.”

Errei.

Quando ela apareceu no salão, com aquele charmoso atraso de 20 minutos, eu vi a bela da tarde. Baixinho sussurrei “caramba”. Um colega do Estadão disse, não muito baixo, “eu não acredito”, todos estávamos aturdidos. Se não me engano ela veio ao Brasil divulgar “Genealogias de um Crime”, de Raúl Ruiz.
Éramos uns 15 jornalistas, a maiora mulheres e até ela sentar ostentando um belo e discreto (na medida) sorriso, ficamos mudos.Todos. Até que a entrevista começou, trivial, simples, “do que trata o filme?; onde foi feito?”, etc etc etc. Através de uma intérprete ela respondia calmamente, e como a entrevista era modelo americano (o jornalista fica de pé para fazer a pergunta) chegou a minha vez. “Como foi trabalhar com Buñuel?”, perguntei e sentei rápido. Ela deu um sorriso do tipo “não adianta, não me livro da bela da tarde), ela respondeu na maior elegância.

A entrevista acabou e eu, louco por um autógrafo, fiquei no dilema. Afinal, diziam que jornalista não aplaude nem pede autógrafos, mas o colega do Estadão foi lá e ela assinou. Outros tomaram coragem e, no bolo, também fui. Peguei o autógrafo que, boçalmente, perdi.

Concordo quando dizem que as pessoas não escrevem para que, e sim para quem. É uma delícia ter musa. Acho que em todas as artes é assim, Cinema inclusive. Pergunto: para quem Buñuel fez “A Bela da Tarde”. Para Silvia Pinal? Picasso, sabemos, pintou para Jacqueline Roque, Françoise Gilot e Dora Maar. John Lennon compôs e cantou para Yoko Ono.

Enfim, Cinema não é quase tudo. É tudo.


Comentários

Postagens mais visitadas