Impublicáveis


Faz sentido um sonho que tive, noites atrás. Muitas noites atrás. Muitas e muitas e muitas e muitas noites atrás.

Sonhei com “Beleza Americana”, filme de Sam Mendes lançado em 1998, com Kevin Spacey, Annette Bening e Thora Birch nos papeis principais. O filme mexeu tanto na minha vida (literalmente) que comprei uma cópia em DVD para assistir de novo de tempos em tempos. Não assisto porque muitas vezes é melhor deixar nossos baús trancados, calados, quietos. Além do mais, esse DVD também sumiu da minha estante, onde atua um misterioso exterminador de Cultura.

A guinada do personagem de Kevin me deixou quase lacrimoso dentro do cinema, onde permaneci uns cinco minutos depois que o filme acabou, completamente abobalhado, besteirão, queixo caído, vendo os créditos subirem na tela enquanto as pessoas saiam, com o capacete da minha Suzuki DR 800 no colo; tinha motocicleta naquela época, mas motocicleta deixou de ser um veículo civilizado, segundo o regulamento da guerra civil, também conhecido como “perdeu. Larga a moto pra não tomar tiro na nuca.”

Dias depois comecei a sentir os bons sintomas do filme, que culminaram com uma ida a Igreja do Senhor do Bonfim, na Bahia. Na época escrevi (acho que foi no Estadão) que o cinema tem o poder de meter uma colher de sopa em nossas vísceras. O cinema, em muitos casos, faz o papel do inconsciente gente boa derramado em via pública.

Mas aí mora uma pergunta: somos todos impublicáveis? “Beleza Americana” disse “larga essa vidinha e caia dentro com vigor, tesão e uma boa dose de irresponsabilidade”. Irresponsabilidade, irresponsabilidade, irresponsabilidade, eco, eco, eco. Aquilo ficou martelando em minha cabeça (e a trilha sonora idem) e, meses depois, quando olhei para trás vi que também tinha dado uma guinada radical, que a tal “vidinha” denunciada em silêncio pelo filme tinha sido substituída pelo vigor da tal dose de irresponsabilidade, que alguns chamam de “elemento transgressor, “ ou “carcará que pega, não mata e come”.

Respeitei a pergunta - todos somos impublicáveis? - e continuei a viver a nova vida calado, mais convicto ainda de que nada podemos fazer para deter a carruagem do tempo, do vento, do destino. Nada podemos fazer. Não tempos tempo, só urgências. Não dá para deixar para hoje o que deveríamos ter feito ontem.

O sonho que tive foi como se um torpedo de um submarino alemão singrasse o fundo do mar em direção a um porta-aviões americano, em 1944.
O que fazer? Acessei o You Tube e fiquei contemplando a beleza que é a instalação que o artista plástico Daniel Wurtzel fez, baseado na trilha sonora do filme. Imersão total. Beleza mais que americana.

Absoluta.

Agora é só ouvir o sibilar do inconsciente e seguir em frente. 

Calado, quieto.


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