Emprego sim, trabalho jamais
Na
véspera do Natal fui comprar uma camisa e estava satisfeito com o
grande movimento em lojas de todos os tipos, sinal de aumento no
índice de emprego. Na loja em que entrei havia um bando de garotas
de classe média vestidas de vendedoras, muitas ralando e outras
morcegando. Uma delas a que me atendeu.
A
garota meio gordinha, piercing no nariz, era simpática mas não
tinha os requisitos de um mamífero educado, civilizado e, o mais
grave, vendendo, faturando, levando dinheiro para casa, atendendo o
público. Ela não entendia nada de camisas, de modelagens, fazia
sugestões de bêbado mas, muito franca, mandou chumbo: “olha,
estou oferecendo essas porque senão vou ter que subir para ver no
estoque...”. Emendei “e isso dá muito trabalho, né?”. Ela
sorriu com aquela cara de pau dos vadios e respondeu “estou doida
para acabar o expediente”. Tentei argumentar “mas você está
vendendo, vai ter comissão, o páis está com 11 milhões de
desempregados”, ela apenas resmungou um enigmático “pois é,
né?”.
Acabou
que por causa da minha escolha ela teve que encarar o seu flagelo:
trabalhar. Teve que subir no tal estoque e verificar a tal camisa do
meu tamanho. Indolente, ela queria me empurrar uma de um tamanho
menor tentando me convencer que ficaria bom; não teria ger o
trabalho de correr atrás.
Lembrei
de reportagens na TV mostrando filas e mais filas de desempregados
disputando vagas de emprego. Diante desse fato na loja de camisas, e
de muitos outros, depoimentos de amigos e colegas, cheguei a
irresponsável conclusão de que o que mais se quer no Brasil não é
trabalho, é emprego. Há muitas exceções é claro, não sou nenhum
imbecil, mas o que sinto há tempos é que o placar é 80 para
direitos e 20 para deveres, boi na sombra forever.
Olhando
o relógio pela enésima vez, a garota veio com a camisa. Modelo
certo e carinha de mau humor. Perguntei “onde é que embrulham?”
e ela meio que rosnou algo como “no pagamento vão ter dar uma
caixa e você bota camisa dentro. Você quer só isso? Quer mais
alguma coisa?”. Respondi “fique tranquila, da minha parte você
não vai mais precisar trabalhar. Aliás, tenho uma dica. Esconda-se
na loja até o expediente acabar. Pegue umas roupas finja que está
trabalhando, se embrenhe nas araras, vá enrolando até o final e
você vai se dar bem. Não vai fazer nada hoje e quando chegar no dia
26, depois do Natal, vai ter a boa notícia de que estará demitida.
Sabe por que? Porque ninguém é babaca, minha filha. Capitalismo
enxerga tudo”.
Aí
ela tremeu. Tremeu e veio de mimimi “você vai reclamar?”, eu
disse “não preciso porque suas colegas vão fazer isso,
especialmente as temporárias que querem uma vaga fixa. Essa vaga
fixa que você está ocupando”. Dá vontade de voltar lá hoje para
ver se a gordinha do piercing ainda está prejudicando as vendas.
No
caixa tinha um folder do tipo “Você foi bem atendido?”. Era só
responder e depositar numa urna. Nada fiz porque, como disse, o
mercado cuida dessas vagabundagens.
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