A geração Beat
A Pillow Of Winds
(Um Travesseiro de Ventos)
(Um Travesseiro de Ventos)
Uma nuvem de edredom desce ao meu redor
Suavizando o som
Um tempo sonolento quando eu me deito com meu amor ao meu lado
Ela está respirando lentamente, e a vela morre
Suavizando o som
Um tempo sonolento quando eu me deito com meu amor ao meu lado
Ela está respirando lentamente, e a vela morre
Quando a noite chega, você fecha a porta
O livro cai no chão
Enquanto a escuridão cai e as ondas passam
As estações mudam, o vento está morno
O livro cai no chão
Enquanto a escuridão cai e as ondas passam
As estações mudam, o vento está morno
Neste momento acorda a coruja, neste momento dorme o cisne
Eis um sonho, o sonho se foi
Campos verdes, uma chuva fria
Está caindo na aurora dourada
Eis um sonho, o sonho se foi
Campos verdes, uma chuva fria
Está caindo na aurora dourada
E profundamente abaixo do solo, o início da amanhã aparece,
e eu me abaixo
Sonolento quando me deito com meu amor ao meu lado
E ela está respirando lentamente
E eu me elevo como um pássaro
Na neblina quando os primeiros raios tocam o céu
E morrem os ventos da noite
e eu me abaixo
Sonolento quando me deito com meu amor ao meu lado
E ela está respirando lentamente
E eu me elevo como um pássaro
Na neblina quando os primeiros raios tocam o céu
E morrem os ventos da noite
Há um tempo, publiquei aqui o Capítulo I de “Uivo”, o
visceral e corajoso manifesto seminal da geração beat, escrito pelo grande
intelectual, anarquista, alcoólatra, drogado e genial, Allen Ginsberg que leu o
poema todo (enorme, ocupa livros inteiros) numa livraria marginal de San
Francisco (CA) em 1956.
Terminou a leitura e foi imediatamente preso por vários
policiais que invadiram o lugar. Foi julgado e condenado por atentado violento
ao pudor. “Não tenho pudores, o éter banha os meus delírios, a gasolina passeia
em minhas veias, esse lixo penetra a América podre, tomada de bactérias e
infestações sociais como vocês”, berrou para os policiais. Todo mundo ouviu.
Ginsberg é personagem de um excelente filme de 2014, dirigido
por John Krokidas, que se chama “Versos de um Crime” que assisti na
Netflix. Aborda uma outra encrenca
pesada envolvendo a geração beat. Em 1944, três expoentes da literatura
beatnik, Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Lucien Carr, fabricam ideias bizarras
que desafiam o seu tempo. O assassinato de David Kammerer, um professor
apaixonado por Lucien, transformará a vida dos três, acusados de ser os
responsáveis pela morte. Vale a pena ver os maçaricos do moralismo
americano fritando os beats nos tribunais.
O movimento beat sempre deixou minhas orelhas em pé, olhos arregalados
e muita curiosidade. Não vi nada acontecer porque não era nascido. Eles se
amontoaram nos anos 40, ao som de bebop jazz, e acreditavam no caos como
solução da miséria americana, exposta em becos, vielas, abandono, reflexos da
Segunda Guerra. Deixaram mais do que rastros e ecos. Os beats pariram dinastias
em série.
Em abril de 1951, entorpecido por bezendrina e café,
inspirado pelo jazz, Jack Kerouac escreveu a primeira versão do que viria a
ser On the Road. Kerouac escrevia em prosa espontânea, como ele
chamava: uma técnica parecida com a do fluxo de consciência. Ele tinha o que
chamava de “espasmos” e saia escrevendo onde desse. Numa madrugada, trabalhava
num escritório de burgueses caretoides em Manhattan. Tarde da noite invadiu o
escritório para beber e se drogar, bateu o “espasmo”. De acordo com o amigo,
Caíque Fellows, "o livro foi escrito assim: o Kerouac colocou a
bobina na máquina de escrever e disparou geral! Você já viu o filme "The
Other One: The Long, Strange Trip of Bob Weir"? O Neal Casady morava com
o Grateful Dead e contava centenas de histórias sobre o Jack Kerouac,
inclusive essa." Obrigado Caíque!
O livro foi rejeitado por diversas editoras mas, em
1957, On the Road foi finalmente publicado, após inúmeras
alterações exigidas pelos editores. O livro, de inspiração autobiográfica,
descreve as viagens através dos Estados Unidos e México de Sal Paradise
(codinome de Jack Kerouac) e Dean Moriarty (pseudônimo de Neal Cassady). A obra
rendeu um excelente filme de Walter Salles, de 2012, chamado “Na Estrada”.
Ao cruzar os Estados Unidos de carro, Sal Paradise e Dean
Moriarty empreenderam a viagem que todos os jovens um dia sonharam em fazer,
repleta de sexo, drogas, álcool e, acima de tudo, liberdade. Ao contar a
história de como os dois amigos atravessaram os Estados Unidos, em inúmeras
idas e vindas que incluíram uma incursão ao México, Kerouac inaugurou um novo
tipo de prosa que funciona como uma trilha sonora interna ao livro, que vai se
desprendendo das palavras, das frases, dos blocos de texto, e despedaça dentro
do leitor. Essa escrita que tem o ritmo das ruas, estradas, becos e guetos une
a realidade ao sonho, transformando o que era uma viagem em uma busca
espiritual.
Sem limites, sem fronteiras, bebendo tudo, injetando tudo,
rolando em qualquer cama com qualquer um eles conseguiram mostrar a América que
havia algo muito errado no planeta: a própria América. Uns morreram, vários
enlouqueceram, alguns desapareceram nos desertos mexicanos e existenciais.
Jack Kerouac morreu aos 47 anos de cirrose, em 1969. Neil
Cassidy morreu aos 42, aparentando 70, falando sozinho, batendo papo com seus
delírios e miragens. Em fevereiro de 1968, ainda no México, Neal foi a um
casamento e depois teve a ideia de voltar andando 15 milhas de San Miguel a
Celaya, pra buscar uma certa “bolsa mágica”. Achou que seria interessante saber
a quantidade de dormentes de trilhos que havia entre as duas cidades. Estava chovendo e
fazendo muito frio, Neal usava apenas uma camisa e uma calça jeans. Havia
consumido uma grande quantidade de álcool e Secobarbital. Na manhã seguinte um
grupo de índios o encontrou deitado perto dos trilhos, em coma, a quase dois
quilometros de San Miguel. Foi levado para o hospital onde morreu quatro dias
depois do seu aniversário.
Allen Ginsberg durou bem mais. Morreu aos 70 anos, em 1991,
depois de ter publicado 23 livros radicalmente malditos que o consagraram
dentro da vanguarda como um dos maiores escritores da outra América do Norte.
Sua obra foi traduzida para o mundo todo.
O rastro beat acabou criando o movimento hippie, bem menos
alucinado intelectualmente, mas também disposto a quebrar em vários pedaços a espinha
dorsal da moral e bons costumes dos Estados Unidos.
A música dos hippies foi o
rock engajado, as drogas maconha, haxixe, LSD, anfetaminas e profusão além, é
claro, a presença obrigatória das bebidas. O nudismo, o sexo livre, poligamia ilimitada empenaram a cabeça cartesiana da sociedade americana. O apogeu foi o festival de Woodstock, realizado entre os dias
15 e 18 de agosto de 1969 na fazenda de 600 acres de Max Yasgur na cidade de
Bethel, no estado de Nova York, transformado no maior protesto contra a insana
e boçal guerra do Vietnã. Quinhentas mil pessoas se reuniram para protestar
pacificamente, ouvir música, fazer sexo, se drogar, beber e acreditar que o ser
humano até que não era tão imperfeito assim. Erro. Woodstock foi a pá de cal do
movimento hippie.
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