Liberdade de Imprensa
Começo
com uma citação de Millor Fernandes: ''Jornalismo é oposição; o
resto é armazém de secos e molhados''.
1
– sem liberdade de imprensa a democracia não sobrevive; 2 –
nunca existiu, existe ou existirá imprensa imparcial. Obs: imprensa
que eu digo são jornais, revistas, sites, radios, TVs.
Comecei
no jornalismo em 1973 como estagiário de uma rádio popular que era
líder de audiência naquela época, e aprendi muito a apurar na
difícil área de polícia. Vi cenas impressionantes na redação
daquela rádio. Impressionantes e bizarras. Nenhum dos profissionais,
dos mais graduados aos amarra cachorros como nós tinha militância
política. No mercado a rádio era chamada de alienada e diretoide.
A
censura funcionava a todo vapor e nas reportagens de rua (eu passava
seis horas por dia nelas, nos carros da rádio) não podíamos
descrever detalhes da miséria de um local para não ofender o
milagre brasileiro. Certa vez fui fazer uma matéria numa favela que
lembra a da Maré de hoje e a ideia era atravessar as pinguelas nas
palafitas e conversar dentro do barraco quase flutuante de uma
família com oito pessoas e uma enorme porca, deitada na sala.
Ia
dar uma boa matéria mas a redação passou um rádio informando que
os caras da censura tinham recomendado “narrativa com discrição”,
ou seja, sem muita realidade. Comecei a falar, não disse nada sobre
palafitas, esgoto, falei da família por alto, da porca com humor, do
viver numa espécie de brejo. Mesmo assim a rádio tomou uma
advertência do governo (isso era grave) por causa da menção a
porca
Bom,
depois fui para outras mídias, rádios (como jornalista) jornais
alternativos como Pasquim e Opinião, do Fernando Gasparian (ultra
esquerda, pela primeira vez trabalhei com um da polícia a meu lado),
Caderno B do Jornal do Brasil já percebendo que em todos esses
ambientes todo mundo era de esquerda. Assisti a memoráveis quebra
paus no Lama’s entre trotkistas, stalinistas e maoístas e a ofensa
máxima entre eles era xingar de pequeno burgues. Não prestava. A
porrada comia, fisicamente.
Naquele
tempo O Globo era de extrema direita e os colegas que lá trabalhavam
eram patrulhados por nós (sim, eu me incluo) apesar de sabermos que
Roberto Marinho contratava comunistas e para protegê-los.
Os
caras com quem acho que aprendi a fazer jornalismo eram feras, liam
obras complexas, eram de
uma esquerda intelectualizada, encorpada, disposta a tudo para
implantar no Brasil a tão sonhada, por eles, “ditadura do
proletariado”. Todos
defendiam essa linha e nas poucas conversas que presenciei
nunca ouvi falar em
democracia, o que só fui dar valor mais tarde.
Profissionais
da pesada (como eu admirava aqueles jornalistas que nem coragem de
chamar de colegas eu tinha) que nas redações da vida nos treinavam
muito claramente: “repórter vai lá, pega a notícia, ouve as duas
ou demais partes, apura tudo direito e volta. Repórter não tem
opinião. Repórter transporta opinião dos entrevistados”. Ouvi a
recomendação dezenas de vezes de vários desses gigantes e isso
acabou virando um mantra. Hoje, quando qualquer um escreve o que
quer, chuta o que bem entende, não consigo me libertar do lead e do
sublead. O que é? Leia aqui, por favor:
https://www.estadao.com.br/manualredacao/esclareca/leads
Aqueles
mestres ensinaram a várias gerações a praticar reportagens
imparciais, mas o jornalismo imparcial não existia. Eles mesmo
escreviam artigos sentando o pau, disparando opiniões, pontos de
vista, tudo o que nós, repórteres, não podiamos
fazer sob pena de demissão. Um deles reuniu uns quatro ou cinco
novatos e nos disse “um dia vocês vão aprender a bater, como
bater, em quem bater, mas por enquanto vocês estão colhendo
notícias.”
Eu
não sabia que iria me transformar num batedor até começar a
trabalhar no Pasquim, vendo Ivan Lessa, Ziraldo, Jaguar, Paulo
Francis, Millor Fernandes
incendiando o mundo no salão do segundo andar onde resolviam como
seria o jornal da semana. Sempre
conversando com o hoje amigo Ricky Goodwin, responsável pela
captação e edição final de todas as antológicas entrevistas do
Pasquim e que é da minha geraçao. Eu
só tinha ido
lá para sugerir uma pauta sobre uma canalhice que o então Chagas
Freitas fez e queria dar a minha opinião. Não só esperei um não
como um esporro também. Mas Ziraldo respondeu “vai lá, senta o
pau, mas tem que ser agora por causa do fechamento”. Sentei na
máquina de Nelma, saudosíssima secretária do jornal, irmã de todo
mundo e me vi cuspindo fogo, metendo a porrada num artigo intitulado
“Chagalhagem”.
Entreguei
a Felix de Athaíde, confuso intelectual mas com um texto fantástico,
para revisar. Ele fez uns pequenos reparos e quando terminou olhou
para mim e disse “ora, temos aqui um lacerdinha”. Carlos Lacerda
era um brejo de polêmicas, portanto eu não sabia se o apelido
estava me sacaneando. Tanto que já tinha chegado lá embaixo
(escadaria gigantesca da casa até a rua Saint Roman, em Copacabana)
mas subi
tudo de novo e falei com Nelma: preciso falar com o Felix. “Preciso
saber o que significa Lacerdinha para você”. Ele riu e disse
“Lacerda foi um escroto mas o texto dele era fulminante. Ele
trucidava um presidente em 10 linhas, tanto que um mosquitinho de
verão que entra nos olhos e arde se chama Lacerdinha. Bom...fique
tranquilo. Eu disse que você bate bem”.
Voltado
ao começo, os meios de comunicação são empresas que visam o
lucro. Há algumas décadas os donos, além de empresários, eram
apaixonados por seus jornais: Samuel Wainer, Nascimento Brito, Carlos
Lacerda, Roberto Marinho, os Mesquita Neto e muitos outros. A paixão
politica até os levou para o abismo as vezes, mas sempre em nome de
suas convicções e, por que não, interesses. Aí...bem aí vieram
os herdeiros…
Pelo
que testemunhei, senti, observei e aprendi, ''Jornalismo é oposição;
o resto é armazém de secos e molhados'', como disse o Millor. Uma
coisa é você ler uma pancada com a elegância e sapiência de Elio
Gaspari, mas na página seguinte é o duro ler ataque de pelancas de
imbecis desqualificados e exibidos que ostentam por aí. Mas isso é
outro assunto.
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