Pimenta no lombo dos outros é Fanta uva


Para alegria do governo e seus simpatizantes (empresas de energia elétrica) daqui a pouco vem bandeira vermelha na conta de luz, invenção de Dilma em 2015. É nessa soleira inclemente que uma micro parte dos brasileiros em seu crônico arrego contemplativo liga ventilador e ar condicionado para conseguir dormir, viver e morrer numa grana quando a conta de luz chegar. Estou escrevendo num ônibus com ar condicionado que cruza boa parte de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde o trânsito começa a se transformar na lenta lacraia do final do dia.

O motorista mantém a temperatura em 20 graus (que delicia) apesar de alguns passageiros (masoquistas) pedirem mais calor. “Não posso, são ordens da empresa”. Me meti na conversa e acrescentei “a temperatura está ótima; o senhor deveria ter escolhido um ônibus sem ar ou então trazer um casaco”. O cara olhou para mim mas notou que eu não estava a fim de encrenca.

Lembrou Ramiro, um amigo de rua que de vez em quando encontro em lugares inusitados. A última vez foi num bar da Gávea, dia de calor e ele tentou me convencer que no Cairo o verão é menos quente do que o aqui, e me mostrou no celular: “Em Cairo, o verão é longo, quente, úmido, árido e sem nuvens. Ao longo do ano, em geral a temperatura varia de 10 °C a 35 °C e raramente é inferior a 8 °C ou superior a 39 °C.”

Pode ser que Ramiro tivesse razão já que ele vai ao Cairo de dois em dois anos. Sempre tive curiosidade de saber para que, mas seria muito invasivo. Emendando o assunto ele me perguntou se eu tinha vontade de conhecer o Cairo eu disse que sim, muito, mas desisti quando me disseram que a quantidade de flanelinhas e pedintes do gênero “dá um trocado para eu comprar...” é muito maior do que aqui e que o entorno das pirâmides parece feira de Acari. Ele concordou, disse que já perdeu totalmente a paciência a ponto de usar spray de pimenta contra um grupo que o cercava. Achou que seria depenado.

No banco do ônibus, olho para fora e a cada 10 carros que vejo, nove tem ar condicionado. Lembro do amigo Reginaldo que ano passado trocou um carro sem ar com zaralhadas de cavalos de potência por um 1.0 com ar. Ele me disse que “cansei de padecer, fingir que esse flagelo do calor é oba-oba, chuva, suor e cerveja. Pimenta no lombo dos outros é Fanta uva”.

Com o desmatamento generalizado a temperatura subiu ainda mais e tornou-se insuportável para muitos. Exceção para a indústria da cerveja, filtro solar, e de babaquices em geral. Lembro que quando fui fazer vestibular (que por si só já era uma merda), acordei as 6 da manhã e encarei um calor demolidor para chegar ao local da prova, que não tinha ar condicionado. Acordar cedo já é um suplício, com calor vira humilhação, com vestibular é fim do mundo.

Leio que no Rio somente 30% da frota de ônibus tem ar condicionado. Como assim? Imagine ônibus sem calefação em Moscou, Londres, Paris, em pleno inverno? Morreria todo mundo. Aí vão dizer, “mas aqui não morre”. Não morre é o cacete. O calor traz dengue, zika, giárdia, febre maculosa, malária, conjuntivite, febre amarela, dengue, chikungunya, infestação de escorpião, etc. Ou seja, morre gente pra cacete. Especialmente nos últimos anos, quando o país foi atirado no esgoto.

Verão gera aporrinhações extras. Por exemplo, os comerciantes espertos ligam o ar condicionado no mínimo. Os modelos split indicam a temperatura desejada e não a temperatura ambiente.   
Chegamos num restaurante e o ar marca 23 graus, mas o calor é forte, suamos em bicas, reclamamos com o garçom que logo aponta para os 23 graus. Não chega a rolar bate boca, mas ele sabe que está errado e quando insistimos ele baixa a temperatura.

decepcionistas e atendentes de consultórios e escritórios, quase todas, sei lá porque são friorentas. Passam o dia sentadas ali, segundo elas “na ponta do iceberg” e quando chegamos está um forno. Pedimos para baixar a temperatura e elas, sempre de má vontade, resistem com o mesmo argumento: “poxa, mas está marcando 24 graus”. Fazer o que?

Buscapé no lorto dos outros é chica bom.

Comentários

Postagens mais visitadas