Tempos de estio
Monoquini anos 60, versão dona Damares
Meninos do Rio, hoje.
Falei dos anos 60 no mundo, as revoluções, 64 e 68 no Brasil. O Rio era feliz, um de seus símbolos era Zé Carioca, criado por Walt Disney quando esteve aqui nos anos 40, andava-se a pé pela orla a noite e na areia onde várias rodinhas de violão tocavam bossa nova, bebiam uísque, fumavam Durma Bem e depois, como em comerciais da Jequiti, corriam descalços como andorinhas em voo rasteiro rumo ao fundo de alguma canoa largada e preguiçosa, deixada num canto qualquer. Surgiu a mini saia e as favelas e bairros eram uma coisa só, cheia de camaradagem mútua.
Meninos do Rio, hoje.
Com extremo cuidado para não ser flagrado e preso, como se
tivesse matando mico leão dourado a pauladas, consegui olhar para algumas mulheres
andando nas ruas com seus trajes de verão.
A caretice extrema que impera no Brasil, determinada pelo
fascismo muito mais perverso do que a proibição do biquíni imposta pelo ex-presidente
Jânio Quadros lá na caca do cacete dos anos 60, impôs a moda do vestidão longo (na
verdade um macacão) que cobre do pescoço até os pés, uma espécie de burca
colorida que não deixa aparecer minimamente qualquer curva ou sintoma de curva
de uma mulher. A homarada chama de “copo
de éter”.
Como é proibida a aproximação, não pude perguntar as usuárias
dos trajes se elas se sentem bem encaixotadas naquelas cápsulas anti libido.
Creio que sim, porque cada vez mais o vestidão impera nas ruas de todas as
capitais do país, inclusive com aquele discreto charme de manter a barra imunda
de tanto arrastar pelas calçadas carregando lixo, cocô de cachorro, o que não deixa de ser um gesto voluntário para
ajudar a limpeza urbana.
Essa paisagem é absolutamente normal para as revolucionárias
nova gerações, jovens guerreiros que ficam na casa de papi e mami até os 50
anos, que não viveram, por exemplo, o início dos anos 80. Na praia do Leblon
ficou célebre o TOMONU (alguém lembra?) o “Todo Mundo Nu” depois das seis da
tarde no verão, nadando, se beliscando, se pegando no então libertário oceano
do trópico sol. Todos (?) contemplamos mulheres nuas cantando em palcos da
vanguarda e raramente vi alguém vestido em peças de teatro experimentais. Eventualmente
uma maquiagem facial. Algumas dessas atrizes que foram belas iguarias multiculturais,
para sobreviver atualmente tiveram que virar rolhas de poço e pregar a
impotência ampla, geral e irrestrita.
Já ouvi essa conversa “coitadas nas novas gerações, não viram
nada”. Discordo radicalmente. Quem nasce sem ver, vive sem ver e morre sem ver
não sabe do que se trata porque não viu. O problema é quem estava vendo,
curtindo, apreciando aquela brisa de liberdade pós ditadura militar e teve a
paisagem apreendida pelos comandos neo moralistas que dominam hoje a sociedade brasileira.
Certa vez, há poucos anos, não fui bem recebido numa palestra
que fiz num sindicato no município de São Gonçalo- RJ, no meio de um verão
(temperatura de uns 62), sobre “As vastas conexões entre os anos 60 e 80”. São
Gonçalo no passado foi reduto agrícola, transformou-se em polo industrial, foi
assaltado pela politicalha (não sobrou nada) e hoje e sempre abriga as mais
libertárias mulheres do leste fluminense. Ponto.
Estranhamente só havia mulheres na plateia e percebi que umas
40% estavam com aquela tromba de treva. Fui apresentado como “autor do livro “As
vastas conexões entre os anos 60 e 80” pela diretora do sindicato e logo no
início disse que o livro não existia. Expliquei que ainda não havia escrito
porque “estamos sob censura existencial”.
Fui mais longe. Abri meu coração e me revelei saudoso dos
sargentos e outros meganhas que faziam censura prévia nos jornais, tacando
caneta pilot vermelha em textos vetados, caneta azul em textos liberados. “Eram
mais honestos”, eu disse. “Mais honestos do que as editoras que alegam que o livro
‘está fora dos parâmetros do mercado` uma forma covarde de censura velada. Expliquei
que só escrevo a la carte, ou seja “a ideia é essa, vai publicar?”, “acho que
sim, me interessa”, aí sim, sento, escrevo e entrego.
Adendo: o que mais me afasta do mercado de livros é o fato de
ter decidido não fazer mais tardes/noites, eventos de autógrafos. Por que? Porque
me fazem muito mal. Sou muito tímido e por conta da ansiedade antecipatória
natural semanas antes acho que não vai ninguém, que vai ser um fiasco, que
posso acordar com diarreia, mas no dia aparecem as pessoas, eu escrevo as
dedicatórias suado como um cachorro de boleros de Nelson Gonçalves e lá pelas
tantas a mão trava. Falta de hábito. Desde os 16 só escrevo a máquina/computador
e já até pensei em reestudar caligrafia lá perto de casa mas não tinha ar condicionado
no lugar.
Queria ter letra de senador, sabe? Letra de vagabundo, de à
toa, que ganha bem pra cacete, passa o dia bebendo uísque, cercado de uma vasta
equipe que faz suas unhas, cabelo, massagens (pagos com verba de gabinete), dá
um pulinho no plenário, negocia uma grana, depois vai para um restaurante must
no Planalto Central e termina a noite aquelas saunas-lupanários de R$ 10 mil
reais por cabeça, pagos com verba de gabinete.
Para terminar, volto a palestra. Talvez por causa do calor
muitas não entenderam a minha explicação sobre o livro invisível e comecei a
falar do que sei, li, me disseram dos anos 60. O Rio era uma cidade de verdade,
vanguarda nacional de comportamento, lançador de modas entre elas o monoquíni
(FOTO), uma espécie de maiô que só tinha duas tiras verticais “cobrindo” os
seios. O tempo todo as cintas saiam do lugar, mas a ideia era essa.
Falei dos anos 60 no mundo, as revoluções, 64 e 68 no Brasil. O Rio era feliz, um de seus símbolos era Zé Carioca, criado por Walt Disney quando esteve aqui nos anos 40, andava-se a pé pela orla a noite e na areia onde várias rodinhas de violão tocavam bossa nova, bebiam uísque, fumavam Durma Bem e depois, como em comerciais da Jequiti, corriam descalços como andorinhas em voo rasteiro rumo ao fundo de alguma canoa largada e preguiçosa, deixada num canto qualquer. Surgiu a mini saia e as favelas e bairros eram uma coisa só, cheia de camaradagem mútua.
Os anos 80 começaram com uma promessa de redemocratização e
creio, acho, presumo, inspirou o “liberou geral”. Livros censurados foram
liberados, nasceu a Rádio Fluminense FM que desvirtuou a cultura de pijama, da
naftalina, descobriu o novo rock brasileiro, conectou o Brasil com o resto do
mundo. O Circo Voador consagrou-se como espaço libertário, a beleza foi
liberada, mulheres queriam ficar gostosas e pegadoras, um novo conceito, sem
conexões com a rotulada beleza física. A rigidez moral foi chutada de cena em
todo o país, e apesar da hiperinflação infernal de 1980, a recessão brutal, desemprego
galopante havia esperança. Inebriada, parte da sociedade jogou todas as fichas
em dois patifes: Tancredo Neves e José Sarney. Neves morreu, Sarney ficou. Até
hoje.
O lado ruim dos 80 foi a invasão do narcotráfico
internacional nas favelas, que viraram indústrias de sangue que hoje governam
de fato o Estado. “Nevou” no Rio. Era tanta cocaína que, como se sabe, muita
gente morreu, pirou, ficou sequelada. A partir dos 80 o Rio elegeu uma cordilheira
de bandidos para governadores e o resultado está na foto de baixo que ilustra
esse arremedo de artigo.
As mulheres do sindicato disseram ter gostado da palestra,
com restrições. Não gostaram quando eu disse que o narcotráfico internacional
tomou conta do Rio graças a um governo de esquerda que abriu a porteira e
deixou a polícia se corromper. As esquerdistas disseram que a minha fala estava
descontextualizada (é mole?) dizendo
que meu conceito sobre o papel da esquerda naquele tempo era “pequeno burguês”.
Respondi que, nesse aspecto, defendia Josef Stalin sobre o poder da opressão do
Estado sobre os desvios sociais, mas aí, deixa pra lá.
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