A face oculta da lua, um conto sem fadas, fatos, fotos
Comia uma empada de galinha caipira num bar na rua do
Ouvidor, Centro do Rio, perto de um lugar onde Machado de Assis também comia
empadas de galinha, só que urbanas, numa manhã de quarta-feira quando parou um
caminhão que trazia no para-choques uma frase tola e genial, algo como “na
estrada da vida, passado é contramão”, é isso ou mais ou menos isso, mas a vida
é como um texto sem ponto, só vírgulas, um pouco de ar, na base do ir em
frente, pensando, pensando, passei a semana pensando num monte de coisas como
um artigo que escrevi para um jornal norte americano no já longínquo 2014 que,
por vacilo meu, não saiu assinado, na carta de um leitor que me esculhambou por
causa de uma crônica sobre mulheres gostosas, e eu acabei ficando meio sem
saber o que dizer, mas depois constatei, relendo o que havia escrito, que o tal
leitor não entendeu, confundiu homenagem com vagabundagem, a tal vagabundagem
que me falta para acender a fogueira de um amor impossível que surge no alto de
uma montanha, fazendo pé pé com a lua e brincando de trapezista com o arco-íris,
mas espera aí, por que todo amor impossível precisa ser adolescente, nos faz
sentir como meninos soltando pipa no alto de uma pedreira que ainda existe
atrás de um prédio em Trás-os-Montes, onde passei parte de minha pós-adolescência
soltando foguetes e alimentando amores impossíveis, como o que tive com uma
estação de rádio, que de musa acabou virando livro cujas últimas linhas começo
a escrever em suas prováveis 974 páginas que deverei lançar neste 2015 no Rio
de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Lisboa, Porto, matando
a saudade dos Boeings e Airbus que, eventualmente são minha segunda casa para
depois, quem sabe, voltar a TV, ao VT, ao Protools, criar um megasite já que a
saudade é um sentimento completamente inútil para mim a ponto de eu não
reconhecer os anos 1960, muito menos os 70, os 80, afirmando que a melhor
década é a que estou, o melhor momento é o agora, que não é mais agora porque
quando este texto for postado no site essas palavras chamadas de originais já
terão ido morar no arquivo vivo de minhas dezenas de milhares de textos,
amontoados há quase 45 anos de escrita diária, dedicada, obsessiva, ou quem
sabe vão se mandar para Aracaju, canção de Caetano Veloso que diz que “ser
feliz/o melhor lugar é ser feliz”, ah, essa música está impregnada em minhas
veias abertas para a minha cidade, cidade-calamidade para quem quer jantar com
uma amiga sem ser chamado de amante, mas ao mesmo tempo cidade-útero, morna,
molhada, que nos recebe aberta nas madrugadas quando cruzamos a baía sob chuva
fina, ou sob neblina, ou sob o torpor da cafeína que consumo num botequim
próximo à estação das barcas, acompanhado de divagações afetivas, mulheres de
sonhos, verso e prosa, tendo ao fundo o rugido cansado dos miseráveis que se
embolam nos jornais para escapar do açoite do frio, ou da fome, ou da polícia
imaginária, ou dos políticos virtuais, ou da música que Keith Jarrett ainda não
compôs sobre um pôr-do-sol no Algarve para onde provavelmente irei este ano,
acompanhado de meu cão Hanói e meu canário Elvis, encontrar amigos e conversar
sobre política e sardinhas e, quem sabe, pensar um pouco mais sobre o próximo
semestre, na dieta prometida, na possibilidade de receber um e-mail da mulher
de meus sonhos dizendo que a vida não faz sentido sem mim, essas coisas que a
gente gosta de ouvir quando deita no sofá com um pote de dois litros de sorvete
de abacaxi Kibon, quatro litros de Coca Cola e um DVD com um filme de Buñuel, imagem
que pode lembrar a canção que me vem as vísceras lá de 1971, Jards Macalé, que
canta “estou cansado/e você também/ vou sair sem abrir a porta/e não voltar
nunca mais/ desculpe a paz que lhe roubei/ e o futuro esperado que não dei/é
impossível pensar/ num barco sem temporais/ e suportar a vida como um momento
além do cais” e, por sorte, quebrei esse disco em questão de horas porque não
tenho vocação para o masoquismo, daí a minha paixão pela bossa nova, pela magia
do céu, sol, sul, e não o samba-canção martírio, daqueles que chamam a lua de
luz de mercúrio e nos fazem roer meio fio quando sentimos que nosso texto num
jornal não está sendo bem revisado, ou sequer assinado, mas, pensando bem, o
editor tem mais o que fazer, o que não vale é acharem que estou tristinho,
magoadinho, quando na verdade estou cansado porque são três da manhã e o
principal recado na caixa postal do meu celular diz apenas “durma em paz”, ou foi impressão minha, não sei bem, dizem
que comer carne de porco a noite faz mal a alma, mas o recado estava lá na voz
da mulher dos meus sonhos, provavelmente telefonando do futuro, de um orelhão primitivo, olha, garota, eu não
quero saber por onde deitas, mas confesso que a possibilidade do recado ser
verdadeiro faz um bem danado, como o dia em que Peggy Sue voltou à tona depois
de passar dias submersa nos anos 1960...ah, esse Copolla é tão genial que faz
um Fusca chorar sem sentir dor, ou alguém não notou que em “Apocalypse Now” a
música do Doors, chamada The End, foi infernalmente bem inserida na abertura do
filme, eu sei, teria que colocar um ponto de interrogação, mas o cansaço me fez
escrever este texto sem pontos e sem parágrafos pois dizem que é uma boa
maneira de conversarmos um pouco com nossos xamãs, ou com “As Valquírias” de
Paulo Coelho, que estou louco para conhecer pessoalmente, mas as pessoas só
pensam nos dólares que Paulo Coelho está ganhando, merecidamente, por ter
despertado milhões de pessoas para coisas mais interessantes do que forninho de
micro-ondas, IGP-M, Fipe, Dilma, esse macabro parque de diversões chamado
economia que provoca sucessivos e generalizados rompimentos na classe média do
Brasil, onde os casamentos desabam e renascem como frutos do mar, o que é bom,
é muito bom, já que aprecio a velocidade emocional da classe média brasileira e
suas Ferraris afetivas entrando no Arpoador a 230 por hora, como um bando de
desdentados a caça de um dentista capaz de reduzir a dor em pelo menos 20%, ou
uma manada de executivos de marketing, chamados à última hora para tentarem
salvar Titanics depois das varadas nos icebergs da incompetência, o flagelo do
terceiro mundo, parceria incansável da corrupção, da propina que assola o país
desde sempre, crucificando temporariamente uma meia dúzia para saciar a turma
do pão e do circo, é fogo, não é mole, e o pior é que que terminarem de auditar
o Brasil o berço esplêndido vai ficar
mais deserto do que ilhas virgens em dia de finados, chovendo e com ressaca,
porque como cantou um dia David Bowie “this is not America”,numa boa, sem
preconceito, mas this is not America, mas não é mesmo, tanto que nem a inflação
razoavelmente estável provoca o mínimo de otimismo, provavelmente por causa da
porção Dom João Sexto em nosso sangue, suor e lágrimas, aquela ala que gosta de
gemer, reclamar, expulsar, discriminar, enfim, eu tenho uma amiga que é
dentista e me escreveu um e-mail da China onde os brasileiros são perseguidos
como judeus na Alemanha de 1940, e tudo mais o que acomete o emocional de um
perseguido que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones, acreditava em
Papai Noel e nessa coisa de irmandade entre os povos, a ponto de me preocupar
pois rapidamente respondi o e-mail sugerindo que ela não julgasse povos, mas
governos, não julgasse indivíduos, mas corriolas e assim por diante já que da
mesma forma que em Detroit (EUA) nos anos 1980, estavam matando japonês a
pauladas, tenho receio que comece a rolar esse clima contra outros povos aqui
no Brasil, o que não é bom para ninguém, pois de médico, português e louco,
todos nós temos um pouco, da mesma forma que o amor impossível pode parecer
impossível eternamente quando não buscamos soluções alternativas quando uma
estrada está inundada e ficamos parados xingando o ar, já que há sempre uma trilha,
um atalho, uma picada quando queremos mesmo chegar a algum lugar, mesmo que
esse lugar seja o lugar nenhum, mesmo que chova açoites, pois somente algumas
coisas não tem solução, entre elas o fim do papel.
Madrugada. Quente, fria, morna. Um homem está diante de seu
vulcão interior e tenta decifrar a lava. Angústia. Êxtase. Sem páusa, sem
trégua. Não há bandeira branca no embate entre o homem, o vulcão e o papel,
feito refém e ponto de partida para um monólogo urbano, que segue, não para.
Não para. Não para.
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