Calça de veludo ou lombo de fora
Nem sinal de
chuva aqui no novo sertão brasileiro, 44 graus me mostra um termômetro de rua.
Foi quando lembrei que o famigerado Estado Novo do também famigerado ditador
Getúlio Vargas proibia a divulgação de temperaturas acima de 40 graus. Você
sabia?
Rádios e TVs
que noticiassem que a máxima tinha atingido 40 graus e um décimo, em qualquer
ponto do território nacional (inclusive na adorável Bangu), corriam o risco de
ser multadas, ou cassadas. Por que? Porque naquela época a legislação
trabalhista obrigava que todos os empregados fossem liberados quando a
temperatura ambiente passasse dos 39. Por isso, sempre fazendo meia com o
poder, empresários foram a Brasília conversar e, em 1969, no bojo do AI-5,
mantiveram a proibição getulista que, cínica, era “informal”. Informal é o
cacete!
O site
“Plenário MT” publicou um artigo, que comenta: “(...) Em 1955, com o clima
político fervendo por causa da eleição de JK e de um movimento golpista para
impedir sua posse, o filme “Rio 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos, foi
censurado pelo então chefe de Polícia, um coronel, que proibiu a exibição da
obra em todo o território nacional.
Além de
acusado de promover “a desagregação do país”, por ser comunista e apresentar
apenas os “aspectos negativos da capital brasileira”, “Rio 40 graus”, marco
precursor do Cinema Novo, era chamado de “mentiroso” pelo militar, alegando que
aqui a temperatura nunca ultrapassara 39 graus.
O gesto
ridículo provocou uma das maiores ondas de protesto de artistas e intelectuais,
liderados por Jorge Amado, enquadrado também por causa de "Dona Flor e
seus Dois Maridos", principalmente pelo triângulo amoroso formado por
antagonistas: Vadinho, porrista, vagabundo, mulherengo e Teodoro, médico,
sisudo, corretíssimo, recatado, do lar. A polícia achava que o trio era um
atentado a moral e aos bons costumes.
Como uma foice voadora, o destino se
vingou do tal coronel censor. Uma pensão onde descansava na Praça Mauá pegou
fogo e ele teve que se atirar da janela, vestido só de baby-doll, acompanhado
de dois marinheiros panamenhos seminus. Um repórter de então célebre jornal A
Noite viu incêndio e desceu do bonde parar apurar. Apanhou muito da polícia de
Vargas e, jurado de morte, nada escreveu.
A censura
mudou de mãos, mas continua aí. Nas redes sociais um censura o outro. Antes,
décadas atrás as brigas eram ao vivo (ou presenciais) mas graças a um acordo
“popular” diminuíram muito. Inventaram até aquele slogan meio machista (mas não
sexista, senhores censores!) “não se deve discutir política, religião e mulher.
Acaba em pancadaria”.
A “democracia” que vemos nas redes sociais é do tipo
“você pode falar o que quiser desde que seja o que exijo ouvir.” Sim, o tom é
autoritário. Da esquerda e da direita. Quando a censura atinge o topo da
montanha de insanidades as pessoas se bloqueiam mutuamente, e fim de papo. Não
sei que democracismo é esse. São esses
exemplos que nos tornam cada vez mais radicais na defesa do amplo, geral e
irrestrito exercício da liberdade de expressão, de ação.
Liberdade não tem meio
termo, água morna, acarajé sem pimenta, cerveja sem álcool. É calça de veludo
ou lorto de fora. Por enquanto, o jornalismo brasileiro (livre das mordaças em
1985), vive em regime, em tese, de auto regulação já que não existe meia
liberdade, 90% de liberdade, meia virgindade e nem meia canalhice.
Poderosos
tem a obsessão por nos empurrar a tal “regulação da mídia” que eles afirmam não
ter nada a ver com censura. Como assim nada a ver? A imprensa livre dispensa
regulação externa. Qualquer tipo de tentativa de controle, manipulação, freio,
é censura. Até segunda desordem.
A liberdade
voltou a pauta depois do atentado ao jornal francês Charlie Hebdo, lá em 2015, semanário
que tinha como um dos slogans “um jornal irresponsável”. Houve muita gritaria.
Até o Papa Francisco se meteu no bate-boca, como mostra essa nota, na época,
publicada pela BBC:
O papa
Francisco defendeu o direito de expressão, mas disse ser errado provocar os
outros ao insultar a religião alheia (...)
Para
ilustrar seu ponto de vista, Francisco disse a jornalistas no avião papal que
seu assistente poderia esperar um soco se ele xingar sua mãe.
"É
normal. Você não pode provocar, não pode insultar a religião dos outros",
disse ele.”
Santidade,
discordo. A imprensa pode publicar o que quiser, inclusive xingar a mãe, desde
que assuma as consequências judiciais, que fazem parte do chamado jogo
democrático. Um jornalista mau caráter, safado, achacador, moleque, venal pode
acusar alguém de corrupto, de pedófilo, de assassino, mas para isso terá que
provar.
Com relação a vítima, a legislação é farta. Um processo por calúnia,
difamação e similares, rende gordas indenizações, prisão, desmentidos e uma
série de outros efeitos punitivos que fazem os jornalistas pensarem duas vezes
antes de apurarem mal uma informação. Mais: existem também penas gravíssimas
para o caso de ofensa religiosa, racial e afins.
Se um
muçulmano se sentiu ofendido pelo Charlie Hebdo em 2015, por exemplo, poderia
ter entrado na Justiça alegando ofensa, discriminação (vários fizeram isso)c e
não explodir o jornal matando gente. Em outras palavras, a tal regulação da
mídia já existe e está em vigor no Judiciário de todos os países democráticos, inclusive
o Brasil.
Logo, que as
coisas continuem como estão. Que os meios de comunicação possam seguir livres
para informar e, no caso de lambança, levarem um ferro da Justiça. Essa é a
regra básica do jogo e assim deve prevalecer.
P.S. "A
Dilma errou e eu errei quando não fizemos a regulação dos meios de comunicação.
Eles têm que saber que eles vão ter que trabalhar muito para não deixar que eu
volte a ser candidato. Se eu for candidato, eu vou ganhar e vou fazer a
regulação dos meios de comunicação”. (Luis Ignácio Lula da Silva, outubro de
2017).
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