Bicicleta, música, quetiapina, devaneios...










                                       Pintura de Cláudio Valério Teixeira

                                                          Prólogo
Esses escritos me deram uma rasteira e ganharam vida própria. Desembestaram sozinhos como na erupção do Vesúvio. Se os escritos não permitirem que eu divulgue mais adiante, aqui vai: ouça meu novo projeto na Rádio Pedal Sonoro, um programa chamado A Onda Maldita (https://bit.ly/2H6wiqs ) que fica online as quartas-feiras 22 horas, com reapresentação as sextas, 18 horas, em www.radio.pedalsonoro.com.br . Mas se você perder, dê um voo até https://soundcloud.com/user-810093288 . Está lá, junto com outros delírios.
Fim do prologo.

Os dois litros de água em jejum, nem gelada nem quente, descem pela garganta como as labaredas geladas de Foz do Iguaçu inaugurando o cardápio do dia.
Calado, quieto, percebo que as observações jorram como bico de mamilo de mãe de recém-nascido, um pouco que não é pouco, muito que não é muito, pouco que não é muito, muito que não é pouco.

O relativo silêncio faz bem. Trabalhar de madrugada é ótimo, extremamente produtivo, mas a humanidade não entende, quer que o cara, dormindo as 5 e meia, reaja como um mamífero normal as 10, entendeu?

O cara não escolhe virar a noite só porque é gostoso, é que a angústia diminui, e o cara tem o direito de curtir a baixa angústia que não larga as suas jugulares inconscientes o dia todo.

Ele é portador de um caso raro da medicina. Há anos. Não sabia porque estava sendo examinado rotineiramente por um porco-simpático-gente-boa-quase amigo-cara de família-recatado-do-lar, que nunca tinha visto o tal corpo estranho que se chama bezoar, que parece nome de preá. O cara pode até ter vocação para corno mas quando o assunto é saúde, zap, ele voa para outro, para outro, para outro, depois de três homens de branco feras, mais a sua médica, macas, aparelhos, bip bip bip, Siemens e Philips (ótimos tomógrafos, 64 canais), o tal bezoar levou tanta porrada que ficou quieto.

O cara perdeu 23 quilos em um ano porque o homem de branco chegou pra ele e falou “você vai ter que virar faquir para dominar esse bezoar” e o cara fez uma dieta na cara dura, baseado no que disse a endocrinologista e o Google. Tacanho, tosco, burro de vez em quando, o cara acha florais de Bach, homeopatia, quiromancia e nutricionista tudo igual, placebos. Reconhece o valor dessas seitas mas teve que partir para o método VNC (Vergonha na Cara) a melhor dieta já inventada, associada a CDM (Cagaço de Morrer) que dá a paulada final.

A bicicleta foi a cereja do bolo. Com menos 25 quilos, sem acreditar em comentários do tipo “você está bem, hein?”, ele decidiu ultrapassar a meta da perda de peso. Com 1 metro e 90 de altura, o ideal segundo o IMC seria 90 quilos, mas ele vai chegar aos 70. Lembra que chegou a pesar 75 lá na casa do cacete dos anos 1980, deixando a família em polvorosa. Parecia boneco de trem fantasma mas, inexplicavelmente, a ala feminina dizia que gostava. Chato foi o apelido que deram no colégio, Esperma, porque era muito branco, magro e comprido. Na hora do bullying os caras gritavam “pega ele, pega o Esperma”, mas como todo mundo tomava bullying naquele pequeno colégio com 4 mil alunos ele jogava pó de mico em seus algozes, sem que eles percebessem.

Pegava dois ônibus, ia na Rua da Feira em Alcântara, São Gonçalo, onde tinha um cara que vendia o mais violento pó de mico já feito. Colombiano. “Tem que ter cuidado com a quantidade porque se for muito fecha o glúteo e o cara morre”. Ele queria dizer glote. Três colegas bullyneiros foram parar no hospital, chamaram a polícia e houve suspeita de pó de mico. O cara jogou fora uma fortuna guardada em três garrafinhas de Leite de Rosas.

A bicicleta é bonita porque ele escolheu uma cor que não existe em outras. Um fosco metido a Cláudio Valério Teixeira (https://bit.ly/2Uizjuv). Com os dias, foi se apaixonando pela bicicleta e decidiu fazer tudo com ela. Ir ao centro, zona norte, cinema, reunião, praia, bares, igreja. E conheceu o Pedal Sonoro.
Pedal Sonoro é um coletivo de pessoas que adoram bicicleta e que fazem muitas coisas em prol de um mundo menos escroque, mais saudável, bonito, musical. Por isso Pedal Sonoro; sempre rola música. Conheça em https://bit.ly/2uxAEze . Quem quiser participar é só pintar num encontro, de bicicleta, lógico.

O primeiro passeio com o grupo, 60, 80 bicicletas, foi da Reitoria da UFF até a Ponta D’areia, num fim de tarde, onde até princípio de baile de carnaval rolou, altíssimo astral. E graças ao Luis Araujo, o cara está curtindo cada vez mais o movimento e até programa inaugurou na Rádio Pedal Sonoro. Durante e pedalada lembrou de uma frase de Santos Dumont (ou teria sido de Bernard Shaw?), “todo homem precisa de um hobby”, ele descobriu que a bicicleta é o seu.

Na frente do grupo, Luis Araujo conduz uma bicicleta especial que leva um excelente sistema de som que vai tocando música pelo caminho. Vários tipos de música. Como esse passeio foi despedida de carnaval, rolaram muitas marchinhas, Novos Baianos, frevo, mas ele disse que o próximo vai ser regado a Led Zeppelin e The Who.

A bicicleta entrou no cotidiano do cara de forma inusitada, patrocinada pelo bezoar, pela vergonha na cara e a necessidade de sair por aí, de preferência em bando descobrindo uma nova cidade. Andar de bicicleta nos faz olhar a cidade de outra maneira, como se estivéssemos num lugar diferente e possibilita exercitar a deliciosa arte de conhecer gente.
Na verdade, tudo é diferente. A bicicleta, a música, a quetiapina, os devaneios e, posso falar?, eu também.

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