Cacá Diegues: "Há um desejo latente de valorizar a vulgaridade e o homem dito “normal”, aquele que só reproduz os piores valores de nossa ignorância"

                                                            Foto de Roberto Moreyra - Agência O Globo

A posse de Cacá Diegues na Cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, sexta-feira, foi um bálsamo para o Rio e para o Brasil. Ele sucede o também cineasta Nelson Pereira dos Santos, amigo/irmão/mestre, morto em abril de 2018. 

Semana passada foi mais uma daquelas com a grife Crivella de baixo astral, falta de respeito, insalubridade política, mentiras, incompetência, vulgo fim do mundo, com direito a destruição, pelas chuvas, da locação de uma série que o diretor Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, está fazendo. Ele ocupava um apartamento no delicioso Horto, colado ao Jardim Botânico, e a água levou tudo.

Também no Horto, a casa de Bi Ribeiro, baterista dos Paralamas só não foi totalmente destruída por milagre. Ele e sua família ainda não conseguiram voltar para lá. O que se comenta é que uma obra estranha (grife Crivella), no alto do bairro, causou a tragédia, mas ficou por isso mesmo. Ninguém mexeu no assunto.

Quando escrevo que melhor do que Crivella é Crivella preso não é ataque de pelancas. É desejo mesmo. Todos os descaminhos desse velhaco o levam a Bangu, onde aquele uniforme com SEAP (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária) gravado nas costas, lhe cairia muito bem. Modelito ideal.

Mas na sexta a posse do Cacá desceu do céu como um manto de alto astral, de alento, uma força estranha que insiste em dizer que o Rio não morreu porque o Rio tem Cacá Diegues e uma maravilhosa horda de cariocas brilhantes, bairristas, fortes e relevantes.

Não consegui ir até a ABL dar meu abraço no Cacá, de quem sou fã e seríssimo candidato a amigo, e também da sua mulher, Renata Almeida Magalhães, mega produtora executiva da Luz Mágica, empresa de ambos dedicada ao cinema, claro.

O Globo publicou uma excelente matéria de Bolivar Torres na mesma sexta-feira, um necessário entrevistão com o Cacá Diegues. Coisa fina, bem feita, coisa de jornalista Senior, que revelou as opiniões sempre corajosas e certeiras do nosso cineasta, escritor, poeta, filósofo. Trechos da matéria:

“Cacá é um artista que "capturou parte essencial do imaginário brasileiro com seu espírito irônico e plural", discursou o presidente da ABL Marco Lucchesi. Já para o acadêmico Geraldo Carneiro, que fez o discurso de recepção, Cacá deu "uma resposta aos tempos negros da ditadura militar", fazendo de seu cinema "um lugar de celebração da vida e da cultura brasileira". (...)

Em seu discurso, Cacá bateu firme:

"Temos sofrido um vendaval de paixões polarizadas e histéricas. Há um desejo latente de valorizar a vulgaridade e o homem dito “normal”, aquele que só reproduz os piores valores de nossa ignorância, sem sonhos nem fantasias, num horizonte sombrio e sem surpresas. A criação, hoje, corre o risco de se tornar prisioneira dessa consagração da platitude, onde o único valor reconhecido e respeitado é o da morte elevada a uma desimportância consagradora”.   

Mais trechos:

“Este é o momento mais paradoxal da história do cinema no país — diz o diretor de clássicos como “Cinco vezes favela”, “Chuvas de verão” e “Bye bye Brasil”. — Ao mesmo tempo em que ele vive sua melhor fase, com uma diversidade enorme, produzindo 160 filmes por ano, com uma garotada começando a fazer filmes no exterior, outros fazendo sucesso no próprio país, está ameaçado de acabar. A estrutura formada para criar o cinema está desmoronando. Porque hoje você não sabe direito quais são as condições para se fazer cinema no Brasil.” (...)

(...) Não é o governo que participa do cinema, é o Estado — afirma. — E governo que for contrariar isso não é democrático, não presta. Temos que impedir que esse macartismo se desenvolva, impossibilitando que o cinema seja o que tenha que ser.(...)

(...) A eleição do cineasta, em agosto do ano passado, foi uma das mais comentadas da história recente da casa. Grupos de fora da academia cobraram mais diversidade racial e de gênero, fazendo campanha para a escritora negra Conceição Evaristo, uma das concorrentes à vaga. Questionado, Cacá diz que vê com bons olhos uma ABL mais diversa, mas pondera que se trata de uma instituição privada, com “o direito de escolher quem quiser”.

— Não é porque a pessoa é negra que automaticamente tem que ser eleita. Conceição é uma grande escritora, merece ser eleita, se amanhã se candidatar talvez vote nela, mas ninguém tem o direito absoluto de ser eleito porque é negro. (...)

Cacá Diegues busca recursos para filmar “A Dama”, com Betty Faria no elenco. O cineasta dedica-se também a retrabalhar o roteiro de “O último imperador”, que Nelson Pereira dos Santos lhe deixou de herança. O longa é sobre a deposição de Dom Pedro II.

Outro projeto é a continuação da sua comédia “Deus é brasileiro” (2003). Mais de 15 anos depois, o personagem (novamente vivido por Antonio Fagundes) chega ao Brasil e acha tudo a maior esculhambação. Mas, como diz o título, “Deus ainda é brasileiro”.




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