O maior herói brasileiro. Ou não?

                                                                                 
                                                                                   
 O relógio de pulso que inspirou Cartier. Ao lado, o smart watch da Apple que teria chupado o desenho do modelo de Dumont. Embaixo, sua casa museu em Petrópolis.
O povo francês amava Alberto. No dia a dia, muitos acidentes, mas ele tinha sorte. O avião na I Guerra Mundial e a depressão profunda do inventor.










Sou fã desse cara.

Recomendo “Asas da loucura: a extraordinária vida de Santos-Dumont”, do inglês Paul Hoffman. A grande loucura seminal do pai da aviação era o céu que, desde pequeno, não cansava de contemplar na fazenda do pai, milionário, no interior de São Paulo.

O livro conta que o pequeno Alberto Santos-Dumont observava as aves voando e, muito curioso, queria saber como, imaginando que um dia os homens também poderiam estar no céu de alguma maneira.

Seus pais estranhavam o comportamento daquele menino magro, pequeno, muito branco, que vivia isolado, a ponto de ler toda a biblioteca da fazenda. Cresceu desvendando os mistérios da ciência por conta própria, alheio as meninas que brincavam de cavalinho feliz nos celeiros.

Milionário de berço, sua vida em Paris, anos depois (não vou estragar a narrativa do autor dizendo como ele foi parar lá) foi marcada por bons e importantes amigos, entre eles Gustave Eiffel, o projetista da torre que, por sinal, morava lá num pequeno apartamento no segundo andar. O sonho de Santos Dumont (concretizado várias vezes) era dar uma volta de balão na Torre Eiffel. Conseguiu com o célebre 14 Bis.

Outra figura de sua roda de amigos foi Louis François Cartier que, entorpecido em uma conversa com Dumont a respeito da dificuldade de consultar a hora lá nas alturas, inventou, para ele, o relógio de pulso. Há quem diga que é mentira, quem inventou este acessório foi a dupla Antoni Patek e Adrien Philippe, em 1868, mas as evidências garantem que Cartier foi o inventor.

Alberto adorava a boemia parisiense. Frequentava o elegante Maxim's mas o fim de noite era invariavelmente em bares alternativos, lotados de intelectuais, absinto, coicaína, heroina. Alberto não usava, só olhava, contemplava o torpor, o êxtase, o vale tudo sobre as toalhas de mesa que se transformavam em lençois vagabundos de hotel de rodoviária. Alberto era assexuado mas isso nunca o incomodou. Certo, havia nele sinais de voyerismo de Andy Warhol mas muito menos acentuados.

Amado pela Europa, herói nacional na França que andava nas ruas como um pop star, Alberto Santos Dumont transformou o relógio de pulso em moda mundial e deu no que deu. Cartier se deu bem, mas pediu autorização ao amigo Alberto, que liberou geral, e a invenção entrou em escala industrial.

Que calor do cacete. Não lá na história mas aqui, agora, quando escrevo.

Os doidões da época cultuavam Felix Hoffman que, em 1897, inventou a heroína com intenções medicinais. É a tal história, quem inventou o Melhoral não imaginava que um dia iriam esmigalhar os comprimidos, misturar com fumo de cigarro, acender e virar roda gigante humana.

“Aceita, Alberto?”, ofereciam “obrigado, mas declino”, respondia o pai do avião, sem saber que um dia avião iria ser apelido de traficante carioca. O negócio de Alberto era com o céu e com a elegância. Usava o tradicional chapéu panamá (tinha uma coleção que passava dos 200), vestia cortes caríssimos feitos por renomados alfaiates. Vaidoso, andava e voava impecavelmente vestido, para luxúria e furor uterino das fãs que iam tentar pegá-lo toda vez que pousava. Várias, desafiadoras, ficaram nuas na frente dele, mas Alberto não era um pegador. Hoje seria um fofo.

Alberto foi um gourmet e adorava almoçar, por exemplo, um filé de linguado acompanhado de iguarias raras (pratos montados por grandes chefs) sempre com champanhe de ótima safra, de preferência na cesta dos balões. Nos longos voos ele armava a “mesa” no fundo da cesta, bebia e comia ao sabor do vento, tendo ao fundo um cinerama natural da sua amante única, Paris.

Muitos diziam que era louco. Não era. Perfeccionista, ele acompanhava a construção de seus projetos pessoalmente, subvertendo a física e muitas vezes a matemática. Ao contrário de, pelo menos, 200 equivocados que tentaram voar colando penas de ganso nos corpos e se atiraram de lugares bem altos, morrendo espatifados, Dumont arriscava baseado em centenas de cálculos que fazia de madrugada em seu galpão. Caiu muitas vezes, quase morreu dentro de uma tempestade, mas era sortudo. Aliás, gostava de desafiar superstições como, voar no dia 13, especialmente se fosse uma sexta feira, passar embaixo de escadas, etc.

O Brasil tem parcos heróis e Santos-Dumont é o maior deles por ter quebrado paradigmas universais. Na verdade, ele inventou não só a aviação mas implantou, na Europa, o conceito de revoluções crônicas em oposição a letargia do conservadorismo. Lógico, não vou detalhar o fim da história, mas aqueles que pensam que ele teria ficado deprimido com o uso dos aviões na I Guerra Mundial, não erram. Ele ficou mortalmente deprimido com isso e chegou a sentar com os líderes mundiais implorando que parassem de usar aviões. Não adiantou.

É calunia o que escreveram em livros, ditos didáticos, que Alberto teve a ideia inicial de usar aviões para bombardear submarinos inimigos alegando que “do alto o mar fica bem mais transparente”.

A matança proporcionada pelos aviões elevou a sua culpa a esferas inimagináveis. Alberto achava que foi o responsável pelo bando de sangue e acabou rastejando de volta ao Brasil, onde definhou, quando viu que mais e mais aviões militares eram construídos e destruídos pelas potências.

Alberto pirou, mas não vou passar disso para não estragar o livro.


Comentários

Postagens mais visitadas