A era do caramujo

                                                                                                                                                                 
Sempre achei que era coisa das novas gerações, neurose ególatra, modinha, ou, como diria Jean-Luc Ponty, moléculas egocêntricas, mas a impressão é que todo mundo foi engolido pela era do caramujo.

Nas ruas, carros, bicicletas, ônibus, aviões, 90% das pessoas estão olhando para si mesmas usando como drones ou satélites ou espelhos a telinha do celular, ou o mini fone branco espetado nos ouvidos ou, apenas, o nada.

Desprezo, indiferença, desconsideração, frigidez d’alma, renunciação, renunciamento, a desumanidade, digo, a humanidade anda para dentro, aproveitando que a maioria é dependente psicobioquímico do outro já que, parece, o homem, continua sendo um animal gregário como diz o manual de funcionamento e a falecida Rádio Relógio.

Procede?

Ninguém fala com ninguém. Nos carros, o insulfilm nos vidros impede que a(s) pessoa (s) seja (m) vista (s), nas motos a blindagem é feita pelo capacete e entre os pedestres os ombros curvos e o olhar apontado para a tela do celular sinalizam “nem vem, meu chapa”.

Encontrei uma pessoa esta semana que dizia ter saudade dos tempos que as pessoas sentavam nas calçadas aos domingos, batendo papo, no bairro dela. Por educação. Mentira. Por preguiça, concordei, mas sempre achei que essa cena bucólica o maior caô. O que rolava (especulo) era muita fofoca, “viu aquela Vivian Gelatina saindo de casa de shortinho amarelo enfiado na bunda? “, e o maridão da outra tacando a mão na coxa da babá do filho?”, “pensa que engana, mas pula a cerca e pega o carro do sujeito na rua de trás”, e as conversas iam rolando, rolando, rolando...

Pode ser vertigem psicossomática mas tenho visto cada vez menos casais explícitos ou estamos numa estiagem afetiva real?. Será que vamos nos tornar, todos, o Theodoro de “Ela” (https://bit.ly/2JSBIqX)?

De brincadeira eu disse para a pessoa que encontrei que se fosse hoje o maestro da dor de corno, o grande Antonio Maria, não teria composto “ninguém me ama, ninguém me quer”, mas “ninguém te ama, ninguém te quer”.

Procede?

Se o mundo mudou só me resta o consolo de ter vivido num planeta que podia ser chamado de Trepolândia anos atrás; tempos de amor tão explícito, escancarado e desavergonhado que dava cadeia.

Homens choravam sentados em hidrantes por causa de paixões perdidas, beijos na boca no Circo Voador acabavam em maravilhosa e irresponsável embolação embaixo dos Arcos da Lapa e, em muitos casos, em casamento no dia seguinte. Eram tempos sem pavio. Acendeu e pou!

Procede?





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