Os trovões da Geração Beat
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Há um tempo, publiquei aqui o Capítulo I de “Uivo”, o
manifesto seminal da geração beat, escrito por, Allen Ginsberg, poeta do caos,
genial para muitos, que leu o poema todo (enorme, ocupa livros inteiros) numa
livraria marginal de San Francisco (CA), em 1956.
Terminou a leitura e foi imediatamente preso por vários
policiais que invadiram o lugar. Foi julgado e condenado por atentado violento
ao pudor. “Não tenho pudores, o éter banha os meus delírios, a gasolina passeia
em minhas veias, esse lixo penetra a América podre, tomada de bactérias e
infestações sociais como vocês”, berrou para os policiais. Todo mundo ouviu.
Ginsberg é personagem de um excelente filme de 2014, dirigido
por John Krokidas, “Versos de um Crime” que assisti na Netflix. Aborda uma outra encrenca pesada envolvendo a
geração beat.
Em 1944, três expoentes da literatura beatnik, Allen
Ginsberg, Jack Kerouac e Lucien Carr, fabricavam ideias ditas bizarras que
desafiavam o seu tempo. O assassinato de David Kammerer, um professor
apaixonado por Lucien, transformou a vida dos três, acusados de serem os
responsáveis pela morte. Vale a pena ver os maçaricos do moralismo americano
fritando os beats nos tribunais.
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O movimento beat sempre deixou minhas orelhas em pé, olhos
arregalados sob os trovões da curiosidade. Não vi nada acontecer porque não era
nascido. Eles se amontoaram nos anos 40, ao som de bebop jazz, e acreditavam no
caos como solução da miséria americana, exposta em becos, vielas, abandono,
reflexos da Segunda Guerra. Deixaram mais do que rastros e ecos. Os beats
pariram dinastias em série.
Em abril de 1951, entorpecido por bezendrina e café,
inspirado pelo bebop jazz, Jack Kerouac escreveu a primeira versão do que viria
a ser On the Road. Kerouac escrevia em prosa espontânea, como ele chamava: uma
técnica parecida com a do fluxo de consciência. Ele tinha “espasmos” e saia
escrevendo onde desse. Trabalhava num escritório de burgueses em Manhattan e tarde
da noite invadiu o escritório para beber e se drogar. Bateu o “espasmo”. De
acordo com o amigo, Caíque Fellows, "o livro foi escrito assim: o Kerouac
colocou a bobina na máquina de escrever e disparou geral! Você já viu o filme
"The Other One: The Long, Strange Trip of Bob Weir"? O Neal Casady
morava com o Grateful Dead e contava centenas de histórias sobre o Jack
Kerouac, inclusive essa." Obrigado Caíque!
O livro foi rejeitado por diversas editoras mas, em 1957, On
the Road foi finalmente publicado, após inúmeras alterações exigidas pelos
editores. O livro, de inspiração autobiográfica, descreve as viagens através
dos Estados Unidos e México de Sal Paradise (codinome de Jack Kerouac) e Dean
Moriarty (pseudônimo de Neal Cassady). A obra rendeu um excelente filme de
Walter Salles, de 2012, chamado “Na Estrada”.
Ao cruzar os Estados Unidos de carro, Sal Paradise e Dean
Moriarty empreenderam a viagem que muitos os jovens do pós-guerra sonharam em
fazer, repleta de sexo, drogas, álcool e, acima de tudo, liberdade.
Ao contar a história de como os dois amigos atravessaram os
Estados Unidos, em inúmeras idas e vindas que incluíram uma incursão ao México,
Kerouac inaugurou um novo tipo de prosa que funciona como uma trilha sonora
interna ao livro, que vai se desprendendo das palavras, das frases, dos blocos
de texto, e despedaça dentro do leitor. Essa escrita que tem o ritmo das ruas,
estradas, becos e guetos, funde a realidade ao sonho, transformando o que era
uma viagem em uma busca espiritual.
Sem limites, sem fronteiras, bebendo tudo, injetando tudo,
rolando em qualquer cama com qualquer um eles conseguiram mostrar a América que
havia algo muito errado no planeta: a própria América. Uns morreram, vários
enlouqueceram, alguns desapareceram nos desertos mexicanos e existenciais.
Jack Kerouac morreu aos 47 anos de cirrose, em 1969. Neil
Cassidy morreu aos 42, aparentando 70, falando sozinho, batendo papo com seus
delírios e miragens. Em fevereiro de 1968, ainda no México, Neal foi a um
casamento e depois teve a ideia de voltar andando 30 quilômetros de San Miguel a
Celaya, pra buscar uma certa “bolsa mágica”. Achou que seria interessante saber
a quantidade de dormentes de trilhos que havia entre as duas cidades. Estava
chovendo e fazendo muito frio, Neal usava apenas uma camisa e uma calça jeans.
Havia consumido uma grande quantidade de álcool e Secobarbital. Na manhã
seguinte um grupo de índios o encontrou deitado perto dos trilhos, em coma, a
quase dois quilometros de San Miguel. Foi levado para o hospital onde morreu
quatro dias depois do seu aniversário.
Allen Ginsberg durou bem mais. Morreu aos 70 anos, em 1991,
depois de ter publicado 23 livros radicalmente malditos que o consagraram
dentro da vanguarda como um dos maiores escritores da outra América do Norte.
Sua obra foi traduzida para o mundo todo.
O rastro beat acabou desaguando no movimento hippie, bem
menos alucinado intelectualmente, mas também disposto a quebrar em vários pedaços
a espinha dorsal da moral e bons costumes dos Estados Unidos.
A música dos hippies foi o rock engajado, as drogas maconha,
haxixe, LSD, anfetaminas e profusão além, é claro, a presença obrigatória do
álcool. O nudismo, o sexo livre, poligamia ilimitada empenaram a cabeça
cartesiana da sociedade americana. O apogeu foi o festival de Woodstock,
realizado entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969 na fazenda de 600 acres de
Max Yasgur na cidade de Bethel, no estado de Nova York, transformado no maior protesto
contra a insana guerra do Vietnã. Quinhentas mil pessoas se reuniram para
protestar pacificamente, ouvir música, fazer sexo, se drogar, beber e acreditar
que o ser humano até que não era tão imperfeito assim. Erro.
Em dezembro do mesmo ano, um outro festival realizado pelos
Rolling Stones, em Altamont (São Francisco), charco de violência, sepultou o
movimento hippie. https://bit.ly/2HWCFMT
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