Zeffirelli e A Grande Arte

                                             Olivia Hussey em "Romeu e Julieta".


Franco Zeffirelli (1923-2019) foi um de meus dos mais importantes mentores, um homem que me mostrou um cinema farto, grandioso, belo, lírico. Certa vez escrevi, meio tomado pela emoção, que Zeffirelli despejava a alma latina na tela, mas depois me arrependi. Tarde. O jornal já havia rodado e estava nas bancas. Me arrependi porque ele despejava na tela não só a alma latina, mas a essência da alma humana.

Desde muito pequeno, muito pequeno mesmo, ia ao cinema com a minha mãe e meu irmão. Aquele ambiente, o ritual, a luz que iluminavam as cortinas de veludo vermelhas apagando, o toque do “gongo sutil” anunciando o início da sessão, que tinha o Canal 100, os trailers, o ar condicionado, o lanterninha e, logo, um Zefirrelli envolvendo a tela. Tela que, como um manto, nos tomava pelos braços e arrastava pelos mais belos cenários, tramas, diálogos.

Entrando na adolescência nosso bando viu “Romeu e Julieta” várias vezes porque, não negávamos, estávamos todos apaixonados por Olivia Hussey. Foi a primeira atriz de cinema que ganhou um poster de revista na porta do armário do meu quarto. Mas eu já andava encantado com Elizabeth Taylor porque adorei “A Megera Domada” que, vejam vocês, assisti sozinho.

Na época íamos ao cinema atraídos por atrizes e atores, mais tarde fui mergulhando na Grande Arte e comecei a acompanhar diretores, roteiristas, fotógrafos e durante muitos e muitos anos, praticamente “morei” no Cinema 1, na Prado Júnior, Copacabana, onde conheci muitos diretores do Cinema Novo, da  Nouvelle Vague e quase tudo de Kurosawa.  Zeffirelli abriu as cortinas do cinema italiano e mergulhamos fundo em vários diretores. Meu destaque foi Pasolini, radicalmente proscrito do colégio, católico. Colégio que exibiu “Irmão Sol, Irmã Lua” que fez muito marmanjo enxugar lágrimas nas cortinas dos janelões.

Quero agradecer ao Zeffirelli por ter: 1 – vivido intensa e densamente; 2 – por ter filmado intensa e densamente; 3 – por ter sido latino intensa e densamente. Mas o agradecimento mais especial foi por ele ter superlotado as salas de cinemas do Brasil por décadas. E como faz bem ver uma sala de cinema lotada.
“O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, me deu esse prazer. Ano passado, durante 15 dias, tentei assistir nos fins de semana mas as salas estavam com lotação esgotada, todas elas. E eu vibrei, comentei com Odara “cacete, as pessoas estão indo a um filme de Cinema com C maiúsculo, que maravilha isso”. E quando assistimos, as sequências líricas que o Cacá gosta de fazer, na velocidade de sua sentimentalidade e jeito de contemplar a Grande Arte...caramba, quanta emoção.

Hoje eu ia ligar para a minha sobrinha Catherine, 19 anos (https://ooppah.com.br/Catherineberanger), apaixonada por Cinema desde o berçário (está no quarto período da ESPM) que a cada dia se revela uma grande produtora executiva e roteirista. Acho que vai ser a pegada dela. Não conversamos a respeito, mas eu acho. Eu ia ligar para sugerir passar alguns Zeffirelli lá na ESPM porque as novas gerações não precisam apenas conhecê-lo, mas mergulhar fundo em cada take, cada fala, cada luz, sabe como?

É o caso do Cacá, do Luiz Carlos Lacerda, enfim, existe uma legião de diretores que são a prova de tempo, estão sempre 10, 20 anos à frente. “Introdução à Música do Sangue”, de Luiz Carlos Lacerda, é um poema, uma crônica sobre o Brasil de barro vermelho, corações partidos e mormaços existenciais.

Quero dizer a Catherine que sugira um “Festival Cinema 1” na ESPM, mostrar o que precisa ser visto. Com uma certa urgência. Em tempo: magnífico o trabalho dessa faculdade em prol do Cinema. Magnífico!

Bom, é só isso. Aplaudo de pé o Zeffirelli. Por tudo e por todos nós.

Comentários

Postagens mais visitadas