Help!
Nas duas me perguntaram quando e como me apaixonei pela
música e logo lembrei de “Help!”, dos Beatles. A música de “Help!” tinha
chegado num vinil e depois me sequestrou no cinema.
Eu devia ter, uns 10 ou 11 anos, porque os filmes chegavam
atrasados no Brasil. Posso afirmar que foi a primeira vez que fui ver um filme
naquele ambiente mágico.
Lembro perfeitamente que sentei no meio da enorme sala do
Cinema Icaraí, com direito a cortina vermelha que abria e exibia a tela e ao gongo
que tocava anunciando o início da sessão.
Entrou o “Canal 100”, feito pelo heroico Carlos Niemeyer,
trailers e, de repente, “Help!”. Mais do que meu primeiro grande filme, foi uma
aparição misturada com epifania. Meus olhos marejados contemplavam aquela
generosa telona, despejando celuloide de 35 milímetros em 24 quadros por
segundo, a música, e eles, The Beatles que eu jamais vira em movimento. Jamais.
Não havia clipe, não havia nada.
John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr em quase
carne e osso, gigantescos, em 13 metros de tela. Eles estavam ali e a medida
que o filme ia passando, cada fotograma era uma mensagem para o início da montanha
russa da nossa adolescência.
Por isso, escrevi uma carta para o diretor Richard Lester,
traduzida por uma professora de inglês, e a EMI respondeu agradecendo, dizendo
que Mister Lester tinha ficado feliz com a minha carta, mas eu sabia que a
carta não tinha chegado a ele e que o pessoal de lá não tinha entendido porra
nenhuma. Se Lester tivesse lido teria sido outro papo. Mas o pessoal de
marketing, relações públicas, fast food communication? De jeito nenhum.
Na carta eu falei de afeto, de meu afeto, que “Help!”
decifrou fácil. Eu não me achava um garoto mais ou menos complicado do que
todos, sendo o maior “defeito” a sensibilidade. A família sacaneava, “lá vem o
sensível e suas frescuras” e aquilo me fazia mal, me ofendia, humilhava e
revoltava, tinha vontade de quebrar tudo. Por isso quando ouvi “Help!”, a
música, pela primeira vez, imediatamente me identifiquei com Lennon:
Socorro,
eu preciso de alguém
Socorro,
não qualquer pessoa
Socorro,
você sabe que eu preciso de alguém, socorro!
Quando
eu era jovem, muito mais jovem do que hoje
Eu nunca
precisei da ajuda de ninguém em nenhum sentido
E agora
estes dias se foram, eu não sou uma pessoa assim tão segura
Agora eu
acho que mudei minha mente e abri as portas
Ajude-me,
se você puder, eu me sinto pra baixo
E eu
aprecio você estar por perto
Ajude-me,
coloque meus pés de volta no chão
Você não
poderia, por favor, me ajudar?
E agora
minha vida mudou em muitos sentidos
Minha
independência parece dissipar-se na neblina
Mas de
vez em quando me sinto tão inseguro
Eu sei
que preciso de você como nunca precisei antes
Mais Lennon em “You've
Got To Hide Your Love Away”
Em todos
lugares pessoas olham
Cada dia,
todo dia
Eu posso
vê-los rindo de mim
E eu os
ouço dizerem
Ei, você
tem que esconder seu amor
Ei, você
tem que esconder seu amor
No primeiro dia de “Help!” saí do cinema com vontade de
chutar lata, virar músico e fazer filmes. De certa maneira, mesmo que
indiretamente (?) eu trabalho com música, faço direção musical para cinema e TV
e começo a rascunhar o meu primeiro roteiro. Mas confessar essa vocação com 11
anos era coisa de maluco.
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