Tolerância a intolerância

      Foto de Catherine Beranger

Sempre que há recessão e inflação, os sonhos, objetivos, planos, projetos de milhões de pessoas são engavetados, as contas do mês ficam mais difíceis de fechar, a insegurança atinge níveis quase insuportáveis, a esperança, a velha, boa, necessária esperança, parece querer bater asas e partir.

Também neste quesito o Brasil é um dos lugares mais existencialmente instáveis do planeta. O Brasil é pau de enchente, voo na neblina, roleta com mais de 200 milhões de fichas. Brasil é bala perdida. E foi a tolerância a intolerância que me convenceu a ficar no Brasil.

A tolerância a intolerância é intolerável, mas está presente até para quem não pode ou não quer ver. Nas ansiosas filas dos bancos, nos ônibus, aviões, na caminhada solitária das pessoas rumo ao trabalho, a escola, a consulta médica. Rumo ao nada, muitas vezes.

Exercitar a tolerância é mais do que fundamental, ensina a filosofia. Um exercício difícil, espécie de musculação existencial, vital, fundamental para que as pessoas possam conviver minimamente bem com elas mesmas e a partir daí com a sociedade. Ou seria camping?

A intolerância está presente nas ruas, no ambiente de trabalho, no supermercado, nas redes sociais, na podridão política. Nesse momento de crise, o radicalismo parece se impor ao bom senso e assistimos a um banho de sangue entre aspas entre pessoas que atiram até amizades de décadas no lixo em nome de convicções políticas dos outros, os políticos profissionais.

A sensação de “vão-se os dedos, ficam os anéis”, quando todo mundo bate em todo mundo defendendo políticos, políticas, governos, desgovernos, incha mais os bolsos deles, dos políticos e esvazia a esperança de criar uma nação mais equilibrada, mais generosa e até mais engraçada. Afinal, sem humor nada é possível.

Dizem que essa onda de tolerância a intolerância é passageira. Mas ela preocupa e pensamentos em plena hora da vadiagem, dos devaneios. Afinal, se brigar por nós exige limites, brigar por quem não merece parece ridículo.

Ou não?


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