Santos Dumont e as asas da loucura
Recomendo o livro “Asas da loucura: a extraordinária vida
de Santos-Dumont”, do inglês Paul Hoffman. A grande loucura do pai da aviação
era o céu que, desde pequeno, não cansava de contemplar na fazenda do pai,
milionário, no interior de São Paulo. O livro conta que o pequeno Alberto
Santos-Dumont observava as aves voando e, muito curioso, queria saber como, já
imaginando que um dia os homens também poderiam estar no céu.
Seus pais estranhavam o comportamento daquele menino
magro, pequeno, que vivia isolado, a ponto de ler toda a biblioteca da fazenda.
Cresceu sem desvendando os mistérios da ciência por conta própria.
Milionário de berço, sua vida em Paris, anos depois (não
vou estragar a narrativa do autor dizendo como ele foi parar lá) foi
marcada por bons e importantes amigos. Um deles, Gustave Eiffel, o projetista
da torre que, por sinal, morava lá num pequeno apartamento no segundo andar. O
sonho de Santos Dumont (concretizado várias vezes) era dar uma volta de balão
na Torre Eiffel.
Outra figura de sua roda de amigos foi Louis
François Cartier que, mobilizado por uma conversa com Dumont a respeito da
dificuldade de consultar a hora lá nas alturas, inventou, para ele, o relógio
de pulso. Amado pela Europa, herói nacional na França que parecia um pop star,
Santos Dumont transformou o relógio de pulso em moda mundial e deu no que deu.
Ele era boêmio. Virava noites no Maxim’s, onde na esquina
do século 19 com o 20, o consumo da recém lançada heroína, pelo químico
Felix Hoffman em 1897, cocaína, bolas e ópio estavam no auge
entre intelectuais.
Santos-Dumont agradecia mas descartava. Seu negócio era com
o céu e com a elegância.
Usava o tradicional chapéu panamá, vestia cortes
caríssimos feitos por renomados alfaiantes. Vaidoso, andava e voava impecável.
Era um gourmet e adorava almoçar, por exemplo, um filé de linguado acompanhado
de iguarias raras (pratos montados por grandes chefs) sempre com champanhe de
ótima safra, de preferência na cesta dos balões. Nos longos voos ele armava a
“mesa” no fundo da cesta e comia ao sabor do vento.
Muitos diziam que era louco. Não era. Perfeccionista, ele
acompanhava a construção de seus projetos pessoalmente, subvertendo a física e
muitas vezes a matemática. Ao contrário de, pelo menos, 200
equivocados que tentaram voar colando penas de ganso nos corpos e se
atiraram de lugares bem altos, morrendo espatifados, Dumont arriscava
baseado em seus cálculos. Caiu muitas vezes, mas era sortudo. Aliás, gostava de
desafiar superstições como, voar no dia 13, especialmente se fosse uma sexta
feira.
O Brasil tem muitos heróis. Penso que Santos-Dumont seja
o maior deles por quebrar vários paradigmas universais. Na verdade ele inventou
não só a aviação mas implantou, na Europa, o conceito de revoluções crônicas em
oposição a letargia do conservadorismo. Lógico, não foi detalhar o fim da
história, mas aqueles que pensam que ele teria ficado deprimido com o uso dos
aviões na I Guerra Mundial, a princípio não. Foi dele a ideia de usá-los para
bombardear submarinos inimigos já que, como observou, “do alto o mar fica bem
mais transparente”.
Mais tarde, conta o livro, Dumont passou a sofrer com a matança proporcionada pelos aviões e, também por isso, mergulhou na depressão. Ele se achava responsável pelas mortes por ter inventado o avião e cegou a procurar líderes dos países em guerra para tentar convencê-los a parar. Não adiantou.