Há 35 anos John Lennon morria mais uma vez, definitivamente
A última foto. O assassino (a direita) deu cinco tiros em Lennon segundos depois
Há quem diga que essa foto mostra John Lennon em paz. Mas ele amava a vida
Fale com a Coluna - lam@luizantoniomello.com
John Winston Lennon morreu várias vezes. Assistiu a morte de sua infância regada a miséria afetiva, desencontros, intolerância, o amor calado (e proibido) pela mãe Julia que ele mal conheceu mas que amou profunda, lírica, bela e loucamente. Julia quando se aproximou de John, ambos começaram a se entender, perceber afinidades cósmicas, terrenas e artísticas, o destino meteu a mão. Julia foi embora, para sempre, como Lucy in Sky with Diamonds. Lennon morria mais uma vez.
Há quem diga que essa foto mostra John Lennon em paz. Mas ele amava a vida
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John Winston Lennon morreu várias vezes. Assistiu a morte de sua infância regada a miséria afetiva, desencontros, intolerância, o amor calado (e proibido) pela mãe Julia que ele mal conheceu mas que amou profunda, lírica, bela e loucamente. Julia quando se aproximou de John, ambos começaram a se entender, perceber afinidades cósmicas, terrenas e artísticas, o destino meteu a mão. Julia foi embora, para sempre, como Lucy in Sky with Diamonds. Lennon morria mais uma vez.
Vierem
os Beatles e o quase garoto, quase homem, quase ancião John
Winston Lennon
casou-se com a doce, caseira,
provinciana
Cinthya e tentou não enxergar a luxúria, a esbórnia, o frenesi que
era a
vida de um
beatle. O então amigo Paul McCartney nadava
na fogueira,
atirado as feras nos clubes psicodélicos de Londres, experimentando
novos sons, novas drogas, novas mulheres. Lennon morria de novo,
preso em sua pequena burguesia para qual não tinha a mínima
vocação. Sobrou para o filho Julian, largado no mundo, até hoje.
Culpa de quem? Há culpados? Há inocentes? O que há, além de mais
uma morte de John Winston Lennon?
Lennon
abandonou
o casamento e
juntou-se
a experiente e vivida
Yoko Ono.
Perdição. Paixão louca varrida, psicótica, desmedida. A miopia
afetiva de John ignorou
os sinais amarelos e vermelhos.
Kamikaze,
fez-se
capacho. Yoko fez com Lennon o que quis autorizada por ele. O filme
“Let it Be” de Michael
Lindsay-Hoog,
lançado em maio de 1970, acabou virando testemunha ocular e auditiva
da implosão dos Beatles e
a mais um suspiro de liberdade de Lennon, submisso,
jogado ao arrego do seu amor (?) por Yoko posando de esposa em
praticamente todas as cenas. John
morria como beatle em nome do torpor afetivo que mais tarde o jogaria
nas agulhas da heroína.
Já
sereno, já cicatrizado, já maduro, John Winston Lennon chegou do
estúdio em sua amada e cultuada Nova Iorque. Seu carro parou em
frente ao edifício Dakota, onde
morava.
John
foi abordado por um rapaz que
durante o dia havia lhe pedido um autógrafo.
O
rapaz era Mark
David Chapman,
um fã dos Beatles e
de John, que acabou disparando cinco
tiros a
queima roupa
com revólver calibre
38, dos
quais quatro
acertaram
em John Lennon.
A polícia chegou
minutos depois e conduziu
o
músico
na
própria viatura para
o hospital.
O assassino permaneceu no local com um livro nas mãos, O
Apanhador no Campo de Centeio de
J.D. Salinger.
Preso,
Chaman foi julgado e condenado a prisão perpétua. John morreu após
perder cerca de 80% do sangue,
aos 40
anos de idade. Logo após a notícia da morte, que correu o mundo,
uma multidão se juntou em frente ao Dakota, com velas e cantando
canções de John e dos Beatles. O corpo de John
foi cremado no Ferncliff
Cemetery,
em Hartsdale,
cidade do estado de Nova Iorque, e suas cinzas foram guardadas
por Yoko
Ono.
Foi
a morte final de John Winston Lennon.
Naquela
manhã
fui cedo para o trabalho. Chocado, ouvia em meu Fiat 147 as notícias
transmitidas pela rádio onde trabalhava, a Jornal do Brasil AM.
Trabalhava, também, como editor de jornalismo da Rádio Cidade (que
pertencia ao Grupo JB) para onde rumei. Eram 9 e meia da manhã
quando rumei
para o
prédio do Sistema JB, aquele belo “navio” que está ancorado na
avenida Brasil 500, hoje sede do Into, já que, vejam vocês,
conseguiram destruir uma instituição nascida no império, chamada
Jornal do Brasil.
Como
boa parte do planeta eu estava transtornado, confuso, triste,
angustiado. Jornalista profissional desde os 16 anos, aprendi nas
redações que o melhor remédio para amenizar esse tipo de dor é
meter a cara nas notícias, escrever, apurar, enfim, mergulhar de
cabeça no fato, enfrentar o monstro de frente. Foi o que fiz,
desejando
muito ir para Nova Iorque e agir.
Desejei
ir ao necrotério,
ir atrás de Chapman para tentar o impossível (entrevistá-lo) ir
até a frente do Dakota, orar por Lennon e por nós, e gerar um
milhão de matérias ao vivo da capital da desolação
planetária. Sim, naquele 8 de dezembro, Nova Iorque foi a capital
dos sonhos evaporados, desejos de liberdade ceifados e do
tapete vermelho estendido para a triunfal chegada do famigerado
politicamente correto que nos açoita dia e noite. O fim de Lennon
mexeu até com nossas liberdades íntimas, transformadas
em libertinagens levianas, passíveis de graves
punições sociais.
Meu
horário de trabalho era de meio dia e meia as 19h30m, mas fiz
questão de assumir o jornalismo da Rádio Cidade as 10 e meia da
manhã. Eu e a equipe de jornalistas, formada somente por mim. Isso
mesmo. Eu era o único jornalista naquela adorável e muito saudosa
emissora, onde fiz amigos como Fernando Mansur, Romilson Luiz, Eládio
Sandoval, etc.
Evidentemente
o dia foi dedicado a Lennon. As 2 da tarde, convidaram um sujeito que
o destino colocaria em meu caminho como peça-chave em outras
situações. Seu nome: Sérgio Vasconcellos. Foi convidado, naquele
macabro dia, a dividir o microfone com Eládio Sandoval falando de
John Lennon, Beatles, e tocando raridades que só ele tem.
Apesar
do luto, Serginho deu um show ao longo de toda a tarde, contando
histórias de bastidores da banda e de Lennon em particular. Eu me
dedicava as chamadas “hard news”, ligando para Nova Iorque,
acionando correspondentes, enfim, cuidando daquele dia fatídico.
De
15 em 15 minutos descia para o sexto andar do Jotabezão (as rádios
ficavam no sétimo) e ia a sala dos telexes, máquinas que vomitavam
notícias 24 horas por dia. Lá também funcionavam as transmissões
de radiofoto e telefoto da Agência JB e das norte-americanas UPI e
Associated Press, sediadas também no prédio do JB. Abro um
parêntese: só muita incompetência e burrice para levar aquele
império a falência. Fecho o parêntese.
Numa
dessas descidas e subidas, o operador de radiofoto me chamou com uma
foto na mão. Nela (veja acima), John Lennon aparecia morto no
necrotério de Nova Iorque. Era um close de seu perfil, nariz
curvado, sem óculos, expressão serena.
No
dia em que John Lennon morreu, 34 anos atrás, trabalhei muito.
Serginho Vasconcellos também. Lizzie Bravo, brasileira que gravou
com os Beatles o vocal de “Across The Universe”, estava pelas
ruas do Rio, organizando vigílias, enfim, cada um vivenciou o luto à
sua maneira. No final do dia, por volta das oito da noite, fiz a
última descida (foram dezenas) a sala dos telexes e as máquinas,
que não paravam nunca, naquele 9 de dezembro estavam histéricas.
Peguei o último boletim, acho que da Reuters, com algumas palavras
que Paul McCartney conseguiu dizer.
No
fim de jornada, abracei Sandoval, Serginho (e peguei o telefone
dele), meus amigos do Departamento de Radiojornalismo da JB e fui
para o Leme. Sentei sozinho na Fiorentina, que me pareceu deserta,
mas na verdade quem estava deserto naquele estranho dia éramos todos
nós.
Meses
depois, liguei para Sérgio Vasconcellos. O primeiro convidado para
participar de uma nova revolução. Em setembro de 1981, começávamos
a montar a Rádio Fluminense FM, a Maldita, que entrou no ar em 1 de
março de 1982, tendo o Serginho, que se tornou meu amigo, como seu
produtor de ponta.
O
resto, quase todo mundo sabe.
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