Pimenta no lombo


Quando chega setembro a inclemência acende o maçarico anunciando o apogeu da primavera que traz no bojo o bafo quente na nuca, cupins de lâmpada, tanajuras, o canto melancólico das cigarras.

Para alegria do governo e seus comparsas (empresas de energia elétrica) é hora de bandeira vermelha na conta de luz. É nessa soleira que boa parte dos brasileiros em sua crônica bovinização contemplativa liga ventilador e ar condicionado para conseguir dormir, viver e morrer numa grana quando a conta de luz chegar. Estou escrevendo num ônibus com ar condicionado que cruza boa parte de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde o trânsito começa a se transformar na lenta lacraia do final do dia.

O motorista mantém a temperatura em 20 graus (que delicia) apesar de alguns passageiros (masoquistas) pedirem mais calor. “Não posso, são ordens da empresa”. Me meti na conversa e acrescentei “a temperatura está ótima; o senhor deveria ter escolhido um ônibus sem ar ou então trazer um casaco”. O cara olhou para mim, ia falar qualquer coisa, mas desistiu. Notou que eu não estava a fim de encrenca.

Lá fora de cada 10 carros que vejo, nove tem ar condicionado. Lembro do amigo Reginaldo que ano passado trocou um carro sem ar com zaralhadas de cavalos de potência por um 1.0 com ar. Ele me disse que “cansei de padecer, fingir que esse flagelo do calor é oba-oba, chuva, suor e cerveja”.

Com o desmatamento generalizado a temperatura subiu ainda mais e tornou-se insuportável para muitos. Exceção para a indústria da cerveja, filtro solar, e de babaquices em geral. Lembro que quando fui fazer vestibular (que por si só já era uma merda), acordei as 6 e meia da manhã e encarei um calor demolidor para chegar ao local da prova, que não tinha ar condicionado. Acordar cedo já é um suplício, com calor vira humilhação, com vestibular é fim do mundo.

Leio que no Rio somente 30% da frota de ônibus tem ar condicionado. Como assim? Imagine ônibus sem calefação em Moscou, Londres, Paris, em pleno inverno? Morreria todo mundo. Aí vão dizer, “mas aqui não morre”. Não morre é o cacete. O calor traz dengue, zika, giárdia, febre maculosa, malária, conjuntivite, febre amarela, dengue, chikungunya, etc. Ou seja, morre gente pra cacete. Especialmente nos últimos anos, quando o país foi atirado no esgoto.

Essa transição chamada primavera (na verdade um verão travestido de floricultura) gera aporrinhações extras. Por exemplo, os comerciantes espertos ligam o ar condicionado no mínimo. Os modelos split indicam a temperatura desejada e não a temperatura ambiente.   

Chegamos num restaurante e o ar marca 23 graus, mas o calor é forte, suamos em bicas, reclamamos com o garçom que logo aponta para os 23 graus. Não chega a rolar bate boca, mas ele sabe que está errado e quando insistimos ele baixa a temperatura.

decepcionistas e atendentes de consultórios e escritórios, quase todas, sei lá porque são friorentas. Passam o dia sentadas ali, segundo elas “na ponta do iceberg” e quando chegamos está um forno. Pedimos para baixar a temperatura e elas, sempre de má vontade, resistem com o mesmo argumento: “poxa, mas está marcando 24 graus”. Fazer o que?

Pimenta no lombo dos outros é chica bom.


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