Varal de perversões inconscientes


Estava numa sala de espera lendo um artigo numa revista quase científica (placebo?) sobre a ansiedade, que segundo a publicação, "é um dos grandes males deste século XXI". Foi promovida. Até pouco tempo ansiedade era o mal do século. Daqui a 10 anos, dizem as revistas científicas puro sangue, o mal maior será a obesidade.

Entre os fatores que aumentam o estado descabelado do indivíduo está a preocupação. A palavra diz tudo: pré-ocupação. Sofrer por antecipação aumenta as dimensões dos problemas e ainda inventa novos ingredientes transformando o imaginário num caos. Um filminho onde reina a tragédia, o fracasso e outras percepções negativas que estão penduradas nesse varal de perversões inconscientes.

Uma piada que exemplifica bem é a do motorista da van. Ele dirigia calmamente numa noite deserta, transportando 15 freiras que voltavam de um colóquio e de repente um pneu furou. Encostou a van e verificou que o estepe também está furado. Desespero.

Sozinho, no escuro, boca seca, respiração ofegante, coração disparado, sensação de morte iminente não queria acreditar que estava naquela situação que o fazia responsável pela segurança e integridade de 15 freiras.

Alguns minutos depois surgiu um capiau puxando seu burro cheio de carga. O motorista da van perguntou "você sabe onde encontro um borracheiro?". O capiau coçou o queixo e apontou para uma luz distante. "Lá é a casa do borracheiro. É um homem meio invocado, mas é o único daqui".

O motorista da van, tomado pela preocupação ("é um homem meio invocado", havia dito o capiau), saiu andando em direção da luz, suor na testa, lábios secos, dormência nos braços. Foi no varal de perversões inconscientes e pensou "se ele abrir a porta com uma barra de ferro, eu dou um chute; "se ele abrir me xingando eu xingo ele também". Pensamentos e ideações só amplificavam o drama.

Andou, andou, andou, como um discípulo de Gandhi e ao chegar à casa, bateu na porta. Uma, duas, três vezes. A porta abriu e um sujeito disse apenas "boa noite". Tomado pelas perversões inconscientes, o motorista da van pegou o borracheiro pelos cabelos gritando "boa noite nada, seu safado, moleque", de deu-lhe uma surra sem mais nem menos. Não resolveu o problema do pneu e, pior, criou outro com a polícia.

Preocupação é viver uma situação supostamente ruim, no mínimo, duas vezes: antes e durante. Sabe o resultado de uma prova que vai sair daqui a 20 dias? Muitas vezes essa espera é mais torturante do que a prova em si e o resultado também. É o caso de quem tem medo de avião. Se disserem “você vai para o Japão daqui a oito meses”, a vítima da ansiedade antecipatória começa imediatamente a sofrer cada minuto, dia, semana, até o momento em que deixa a aeronave na chegada. Há anos atrás, fizeram uma pesquisa nas penitenciárias americanas e chegaram à conclusão que uma boa parte dos condenados que aguarda no chamado "corredor da morte" quer ser executado logo para cessar a agonia.

Qual é a solução para nos livrarmos de preocupações? Especialistas dizem que mudar o alvo do pensamento assim que bater a preocupação é um bom caminho, já que só conseguimos pensar em uma coisa de cada vez. Mas esses mesmos especialistas ressaltam que é um exercício árduo que exige muita dedicação e, em muitos casos, terapia. No caso do motorista da van, citado na piada, em vez de ir pensando na receptividade ruim do borracheiro, deveria ter imaginado outras coisas, olhar as estrelas, enfim, substituir os pensamentos negativos e liquidar as fantasias ruins e não ser engolido por elas a ponto de partir para o desatino.

A preocupação está em todos os seres humanos. O que varia é o peso delas em cada indivíduo. Quando era piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet dormia no cockpit do carro minutos antes de ser dada a largada, o que provocava comentários generalizados. Na época ele dizia que relaxava "evitando pensar na corrida", principalmente na semana do grande prêmio. Sem dúvida, um raro privilégio.

Parece que esse papo de “um dia de cada vez” é bacana, mas como conseguir por na prática?


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