Fisioterapia Mental

 Publicado no JORNAL DE ICARAÍ  em 24/08/2024. 


                                                             

Há tempos Zuenir Ventura e Luiz Fernando Veríssimo, na Globonews, concordaram que estamos vivendo uma overdose de informação que, segundo Zuenir, pode estar causando a sensação de déficit de atenção. Os três concordaram que por causa do imenso volume de informações acabam sem entender boa parte delas. 

Exaustão. 

Quando Senna (Ayrton) estava começando, numa daquelas entrevistas coletivas caóticas, ainda no extinto autódromo do Rio, perguntei qual é o momento mais estressante de uma corrida. Ele disse, na lata, "a última volta, quando estamos vencendo...quando estamos perdendo, não". 

Estou terminando um mega projeto que tem a ver com essa última volta do Senna. Quando terminar (esta semana), foi poder cuidar do joelho (que está parecendo uma laranja mecânica), dos óculos e, como um golfinho de Miami me entregar a luxúria do mar em uma praia que gosta de mim. E eu dela. Boiar, boiar, boiar, olhando o azul do céu e aeroplanos imaginários da esquadrilha da fumaça escrevendo poemas de Hilda Hilst no firmamento.

"E por que haverias de querer minha alma/ Na tua cama?/ Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas/Obscenas, porque era assim que gostávamos./ Mas não menti gozo prazer lascívia/ Nem omiti que a alma está além, buscando/ Aquele Outro. E te repito: por que haverias/ De querer minha alma na tua cama?/ Jubila-te da memória de coitos e acertos./ Ou tenta-me de novo. Obriga-me”.

Estou no auge de intoxicação de informação, mas quer saber?, eu gosto.

Trabalho com informação há décadas. Todos os dias, todas as horas, segundos, minutos. Fui dar uma de radical nos anos 1980 e me hospedei numa pousada em Friburgo, lugar ótimo, bucólico. A ideia era ficar longe da informação e ao som dos berros dos bodes, mugido dos bois, sem jornais, sem radio, sem internet, sem TV.

Uma espécie de fisioterapia mental. Só não fui colher alface na horta porque horta tinha cobra. O pessoal da pousada me tratava super bem, mas no final do primeiro dia tive a primeira crise de abstinência. Sem notícias, sem saber o que estava acontecendo, me senti um alce sem aquela galhada na cabeça.

Levei uns vidros de floral justamente para tentar conter a ansiedade. Bebi dois, mais uma meia dúzia de pílulas de homeopatia, mas o fluxo de pensamentos não cessava. “Será que o governo caiu? Será que vai chover? Será que o festival de rock vai rolar? Será que ela foi com a minha cara? Será que a ponte Rio-Niterói...”

Não prestou.

Peguei a minha Toyota amarela 4x4, mais fiel do que gueixa de hospício (até hoje não sei por que vendi aquele jipe maravilhoso) e como um viciado em heroína rastejei até uma banca de jornais, que naquele começo da noite não tinha mais nada. Comprei uns jornais locais e uma edição da revista Seleções que só depois percebi que era do ano passado.

De volta a pousada, jantei bem. Alface, arroz, feijão, e o rei da noite, leitão à pururuca enlouquecedor, acompanhado de 900 ml de coca cola com gelo e limão. Orgasmo gastronômico seria a definição do que senti enquanto degustava agradecido aquelas iguarias.

Na sequência, caminhei para fazer a digestão e fui dormir, as 10 horas.

De manhã a rendição. Como o imperador Hirohito no navio Missouri. Os três dias de jejum de mídia não duraram dois. Pedi a conta e fui embora, e, a bordo da minha fiel Toyota, refleti na estrada. Não estou jornalista. Sou jornalista. Logo, ser viciado em notícias é regra e não exceção.

Não tenho saco para pescaria, mas na Via Litorânea, que liga o Gragoatá à Boa Viagem, em Niterói, as pessoas pescam dia e noite. Pesca de caniço, isca, anzol. Eles param seus carros de frente (em geral, esses carros tem um adesivo com os dizeres do tipo “Estressou? Vá pescar”) e ficam horas e mais horas pescando. Eu adoraria ter saco para comprar um caniço, os anzóis, isca, pegar aquela tralha e ficar me cortando todo com faca mal amolada tentando pescar. Ia acabar tendo um ataque de ansiedade porque, definitivamente, os trabalhos manuais estão longe de meu menu de funcionamento.

Um amigo garante que a maioria dos pescadores de caniço usa a atividade como desculpa para sair de casa e ficar algumas horas descansando, contemplando o mar. Botam a isca no anzol, arremessam e ficam olhando para o horizonte, repousando, descansando sem ter que dar satisfações a ninguém porque, afinal de contas, não são loucos olhando para o nada e sim pescadores, entre aspas.

E vocês? Também estão sentindo essa overdose de informações? Em tudo, até em chave de hotel que agora é biométrica. Aí você começa a se habituar e inventam outro sistema. Comprei um headphone confortável e ridículo, igual aos de jogadores de futebol metrossexuais, abandonei numa mesinha.

Prometo a mim mesmo que não vou mais tentar aprender muita coisa, só o fundamental. Descansar a cabeça, como a garoupa suada do Erasmo Carlos. Fisioterapia mental. Ou seja, ficar uns dias sem fazer nada, nada, nada, nada, nada.

Vamos ver se vai dar certo.

 

 


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