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A lama asfáltica envolvendo o meio fio exala um odor de
chorume que virou aroma oficial das cidades medíocres. Atravessar o asfalto
lamacento sem ser morto por ônibus, carro, van, moto, bicicleta, que desafiam o
excesso de leis e a malemolência das autoridades, só pode ser milagre.
Na calçada esburacada e estreita, pessoas cabisbaixas tentam
caminhar e sobreviver sob marquises que parecem prestes a desabar, fiações
elétricas que lembram pedaços de bombril nos lixões. Cada passo um suspiro.
Cada passo uma lambança. Cada passo um milagre. Cada passo uma sobrevivência.
O carteiro conversa animado com o guarda de trânsito apesar
das cartas atrasadas e do trânsito engarrafado. Afinal está calor e o celular
do guarda não para de tocar. São dois supostos agentes públicos que desprezam
os cidadãos. Vontade de dar uma pedrada em ambos, mas o calor não permite.
Na esquina amontoada de pedestres congestionados, o dono do
bar coloca mesinhas na calçada. Dane-se é o lema. Dane-se! Fiscal é uma iguaria
barata. Dane-se o pedestre, a idosa, o carrinho com bebê, dane-se o cego.
Cerveja, espeto de carne de gato, farofa. Viva o bacanal urbano!
O ônibus apinhado parece trem da famigerada Índia, onde os
desgraçados que pagam não tem direito a ar condicionado. E daí?, inquerem os
donos dos ônibus que sabem que mandam na cidade. Os bólidos superlotados passam
rente a calçada e ai daquele que perder o equilíbrio e cair. Morre e o corpo
fica por ali mesmo, fritando, até se fundir com o chorume e a lama asfáltica.
Os prédios monumentais não param de subir, fabricando
sombras, arrancando árvores. Quinze, 17, 22 andares, fabricando covas de 10
metros quadros, e olhe lá. E daí? Os especuladores também mandam na cidade.
O menor abandonado levanta a camisa para dizer que não está
armado e começa a fazer uma espécie de malabarismo com três batatas quando o
sinal fecha. Quem não paga ele manda a merda, cospe no carro, as vezes chuta a
lataria e fica tudo por isso mesmo porque é proibido reagir. A ordem e engolir,
entubar, arregar, rastejar.
E a lama asfáltica envolvendo o meio fio exala um odor de
chorume que virou aroma das cidades medíocres.
A 41 graus.
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