Insônia
Ódio, não te conheço. Não sou santo, mas não te conheço.
Conheço euforia, tristeza, raiva, conheço a “out estima”, a baixa estima, mas
você, ódio? Não, não te conheço.
Desde o início da Lava Jato o ódio mudou-se para o Brasil. A
História sibila que todas as revoluções vitoriosas, batalhas e conquistas foram
movidas pela fúria, ira, determinação. As que beberam a gosma verde do ódio
fracassaram. Todas.
O ódio sempre perdeu. Hitler perdeu. Mussolini perdeu.
Getúlio perdeu. E agora, o ódio que sustenta a mentira no Brasil também vai
perder. Que mentira? A História dirá. Em breve porque tudo no Brasil é muito
breve.
Por motivos não alheios a minha vontade meu fuso horário deu
uma virada. Longa madrugada pela frente. Não gosto de escrever e publicar
quando estou emocionado e ontem passei o dia tomado por espessa neblina
afetiva. Escrevo agora, mas só vou publicar quando retornar do caos. Breve.
O amor é tão abissal que espanta até os nevoeiros. Só o amor
consegue assolar os nevoeiros. Dizem. Nenhum intelectual explicou. Nenhum
filósofo, sociólogo, antropólogo conseguiu encarar a distonia neuro não
vegetativa do amor. Machado, o de Assis? Quase.
O que mais nos difere dos chamados irracionais é a consciência
do afeto. Escrevi num trabalho de faculdade. O professor não gostou por
achar...por achar...por achar...esqueci. Conversamos, ele disse que viveu uma
experiência num lugar bem perto de uma família de gorilas, o que virou a sua
cabeça. Passou a achar que, de alguma maneira, os animais irracionais também
tem essa percepção e me deu nota 7. No final do mês a nota tinha subido para
nove. Perguntei por que e a resposta veio vaga: “Realocação de novos
conceitos”, ele disse.
Não quis reclamar porque estava apaixonado por uma garota
(tínhamos 20 anos, ela e eu) e ingressava mais uma vez na ante sala do amor
comocional, aquele que ignora os raios e vendavais e nos faz rolar por virtuais
calçadas encharcadas as nove horas da noite. Era o que fazíamos. Vivi a ausência
de explicações e, sobretudo, complicações. O amor jamais foi
incondicional, papo de existencialista amador. O ser humano é condicional em
sua essência.
Ela me elegeu o primeiro homem, a primeira cama. Um dia
o destino nos chamou e no centro de uma praça e sussurrou que não ia
rolar, não. E não rolou. Saímos da praça, eu a levei até a porta de casa em meu
Karmann Guia TC 1975, bege, que toda a faculdade conhecia e venerava.
Ela desceu do carro, eu também, fomos até a portaria do
prédio, nos olhamos sem nada dizer apenas ouvindo ao longe, baixinho, o rádio
do Karmann Guia TC na Eldo Pop FM tocando o Renaissance. “At The Harbour”, a
que ela mais gostava. Sincronicidade. E como a música é a minha linha de tempo
e afeto, jamais desvinculei “At The Harbour” dela.
Ela entrou no prédio. Peguei o Karmann Guia TC e dei uma
volta pela orla do Rio. Fui até o final do Leblon e voltei. Em Copacabana parei
numa carrocinha da Geneal, comi duas mini pizzas olhando para o mar escuro e
mexido, pensando naquela história de amor que havia acabado.
O amor sozinho não sustenta, Machado de Assis especulou no
século 19. Nem quando ela me pediu desculpas em prantos consegui reverter aquela
sensação estranha, um vácuo chamado “perdeu”. De mim para ela. Mão única. Amor
condicional.
Ódio? Nenhum. Não conheço. Não conhecia. Não irei conhecer.
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