O Dedo do Diabo*

* Artigo do psicanalista Paulo Sternbick publicado no Globo de hoje sobre a degradação de Teresópolis.
                                                                          
 Com a cumplicidade dos políticos, a favelização de Teresópolis e 
                             tráfico de drogas avançam em todos os bairros


Ao lado da esposa francesa, meu filho de 33 anos chegou da Ásia, onde trabalha como advogado. Se a globalização me atingiu naintimidade, trouxe também o prazer dos reencontros! Antes de pegar o avião de volta, ao final das férias no Rio, concedeu 30 horas para rever Teresópolis — onde tenho casa de veraneio.

A parada obrigatória no Soberbo, que eu nunca tinha feito, deixou maravilhada a francesa habituada ao pé dos Alpes. E a bela visão do Dedo de Deus logo se espalhou por selfies na Europa.

A visão romântica do que já foi a cidade dos festivais não teve tempo para sentir as ondas de degradação econômica, política e moral que — a exemplo do ocorrido no Brasil — escalaram as serras.
Bem ali nos contornos, indiferente ao clima ameno, e aos casarões de outras épocas, a crescente favelização, com direito a tráfico, parece estar aguardando uma nova tragédia. A de 11 de janeiro de 2011, quando morreram centenas de pessoas arrastadas por temporais, enchentes e desmoronamentos, parecia antecipar o desastre político e administrativo que agravaria ainda mais o empobrecimento de Teresópolis. De charmosa cidade de veraneio, ela quase se converteu num medíocre e feio subúrbio do Rio.

Ainda é possível resgatá-la, mas a reprodução da corrosão ética brasileira parece encontrar, em cidades pequenas, arrogantes atores — dentro ou fora do governo —, que presumem deter o controle invisível e incólume do poder econômico e político.

Se acabarem de estragar a cidade, vão se asilar na Barra da Tijuca ou em Miami. Os limites surgem nas contradições e disputas entre eles: metade da Câmara dos Vereadores foi presa em maio do ano passado, em operação do Ministério Público do Rio. Prefeitos cassados, falecidos, impedidos ou renunciados se sucederam nos últimos anos. 

A cultuada e célebre formação rochosa, símbolo da cidade, até poderia indicar que o dedo foi capturado pelo diabo.

O fenômeno não é recente, nem exclusivo a Teresópolis. Já em 2004, a embaixadora americana Donna Hrinak, hoje à frente da Boeing, apontava grave corrupção em mais de dois terços dos municípios brasileiros. Seu relato integra os 2.500 documentos oficiais da diplomacia americana referentes ao Brasil, obtidos pelo WikiLeaks, e revelados em 2011.

Uma “atualização” deste fenômeno veio com o ex-ministro da Justiça Torquato Jardim, em março do ano passado: no Fórum Econômico Mundial para a América Latina, ele afirmou que a corrupção nos municípios é muito maior do que os desvios e fraudes revelados pela operação Lava-Jato — esta, para ele, seria apenas “a ponta do iceberg” do problema.

Em Teresópolis, a eleição suplementar, em 3 de junho, do jovem empreendedor Vinicius Claussen, trouxe uma promessa de renovação e transparência à cidade. A população, porém, cansada, desconfiada e sem esperança, entregou uma abstenção que somou quase o dobro do que obteve o novo prefeito, que derrotou seu principal concorrente por 22 votos de diferença. Ele sustenta a narrativa de promover finalmente uma gestão eficiente e moralizadora, apostando na mudança — apesar do peso dos vícios incrustados na administração pública e suas ramificações.

Entre as bizarrices da cidade, que Vinicius terá que enfrentar, destaca-se agora a lucrativa —e desvirtuada de seus fins— construção de prédios do Minha Casa Minha Vida em regiões reservadas, pelo Plano Diretor, a residências unifamiliares. Vários bairros sem infraestrutura básica, como toda a cidade, estão sendo assediados por construtoras para erguer centenas de apartamentos em meio a casas e montanhas — fora das 31 zonas de interesse social.



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