O dia em que um fusca navegou pelas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas, há 60 anos – Por Jason Vogel, O Globo
Tarde de domingo, rampa de barcos do Clube Caiçaras. Com o característico assobio de seu motor, o Fusquinha 1.200 vai abrindo alas entre os curiosos e, lentamente, mergulha na Lagoa Rodrigo de Freitas. Ao volante estava Mauro Salles, então "redator automobilístico" do GLOBO, onde trabalhou por 10 anos até se tornar diretor de redação, antes de se tornar um dos maiores publicitários do país.
O carrinho anfíbio fora preparado pelo Departamento de Testes
da Volkswagen do Brasil. Inicialmente, o objetivo dos engenheiros era apenas
estudar a vedação do Fusca mas, na falta de atração mais exótica, a cobaia foi
levada ao estande da marca no primeiro Salão do Automóvel de São Paulo. "O
carro não tem objetivos comerciais e não se fabrica em série", ressaltava
o texto publicado na edição de 15 de dezembro de 1960, há exatos 60 anos.
Muito original em tudo o que fazia, Salles tratou de
convencer Ehrardt Schmidt (chefe do Departamento de Testes da VW e principal
executor do projeto) a navegar com o besouro na Lagoa. O carro veio de São
Paulo ao Rio rodando normalmente pela Dutra. Parecia um Fusquinha como qualquer
outro, não fosse a pequena hélice na traseira e os canos de escape voltados
para cima, ladeando a vigia traseira.
O motor foi blindado numa caixa metálica e as vedações das
portas foram aperfeiçoadas. Por segurança, adaptou-se no porta-malas uma bomba
para escoar água que porventura entrasse no compartimento do motor ou na
cabine. A característica plataforma do Fusca, toda fechada por baixo, não
sofreu qualquer alteração. Também não foram usados flutuadores.
"O carro flutua bem, com dois passageiros e até três,
com a linha d'água na base dos faróis dianteiros e na curva inferior dos
para-lamas traseiros", relatou Salles na reportagem. "O carrinho
navegou com naturalidade como se fora um barco carregado. Mantive uma leve
aceleração e a velocidade desenvolvida era de uns 10km/h. As rodas dianteiras
agiram como leme, e foi possível manobrar em curvas de pequeno diâmetro. (...)
Dirigi o tempo todo de sapatos e meias, e só os molhei quando, ao descer do
sedan, pisei em uma poça de chuva".
O carro fez várias evoluções na Lagoa e "varou as
marolas de uma lancha com mais conforto do que superaria qualquer buraco nas
ruas do Rio". Para gerar suspense, Salles (que não havia levado os remos
de segurança) desligou e religou o motor duas vezes. Deu tudo certo, como
contou a seção Retrovisor, do caderno Carro etc, em 27 de janeiro de 2016.
"Seria preferível o naufrágio do que a desmoralização de
um redator automobilístico que voltasse remando", concluiu o jornalista.
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