Um país que “quase decola” desde 1.500*
Nas ruas da cidade, olhar perdido, as pessoas parecem temer umas as
outras, não apenas por causa do coronavírus, mas também pelas contaminações generalizadas
que acometem o povo brasileiro desde sempre.
Curiosamente nunca
houve uma guerra civil entre brasileiros, corpo a corpo, bala a bala e talvez a
leitura do clássico “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade,
explique por que.
Lançado em 1928, disponível em novas edições nas livrarias,
esse livro não seria lançado hoje de jeito nenhum porque as ditaduras dos
tempos modernos ceifam ideias ousadas, eventualmente descarrilhadas e fora dos regulamentos
ditados pela imbecilândia.
Aliás, para
compreender que Brasil é esse, desde que os quatro Bolsonaros assumiram o poder
(Jair, Flávio, Carlos e Eduardo) acho fundamental ler “Tormenta: O governo
Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”, da experiente e conceituada jornalista
Thaís Oyama. Um livro imparcial, neutro, leitura rápida, apenas 272 páginas,
texto estilo imprensa. Ela entrevistou todos os personagens envolvidos no
governo. Generais, políticos, apoiadores, só não ouviu os Bolsonaro para manter
a obra isenta.
O que mais me incomoda
no Brasil o ministro Paulo Guedes acabou citando como exemplo. Ele disse que a economia “já estava quase decolando” quando ocorreram o
esculacho do congresso e o coronavírus. Mais uma vez o quase, o faltava pouco,
bateu na trave, derrapou na última curva. Essa bronha infinita que começou a
ser harpejada em 1.500 parece não ter fim.
Crise no primeiro e segundo
impérios, golpes e contra golpes. República que nasce em crise, entra e sai de
presidentes, derrubados, em renúncia, maior correria, desassossego. Ditadura do
Estado Novo, anos dourados de JK (agora vai!), golpe de 64, golpe turbo em 68,
redemocracia em 85 (agora vai!), Collor em 89, FHC em 1995 (agora vai!), Lula
em 2003 (agora vai!), Dilma/Temer em 2011, Jair Bolsonaro em 2019 (agora vai!)
e aí damos de cara com esse pandemônio.
É lógico que muita
gente no congresso nacional não presta, nunca prestou, mas é preciso deixar
claro que os sanguessugas estão lá porque foram escolhidos pelo povo, ou seja,
nós colocamos lá os 594 parlamentares que “nos representam”. São 513 deputados
federais e 81 senadores que ganham, comem, dormem, viajam, usam carros de luxo,
tudo por nossa conta e nosso consentimento. Ah, sim eles tem o mais caro plano
de saúde vitalício, que engloba também os seus familiares. Não entraram lá
armados, ou jogando bombas. Eles são os nossos eleitos.
Democracia não existe
sem o parlamento e a solução do Brasil viria se mudasse tudo. Mas quem muda
tudo é o próprio congresso e o povo se faz de desentendido (ah, Macunaíma, ah,
Macunaíma) e muitos votam em que coloca a bica d’água, paga isso ou aquilo
porque no Brasil vende-se voto, sim! Como não?
Há quem defenda a
volta da ditadura militar. Como assim? Os militares já voltaram ao poder. O
governo Bolsonaro está cheio de generais, coronéis, almirantes, que se deixam peitar
pelos filhos do presidente (principalmente Carlos) em situações vexatórias. Que
decepção! O desabafo do general Santos Cruz sobre as bandidagens de Carluxo
(está no livro “Tormenta...”) nos causam vergonha.
Mais uma vez o Brasil
quase decola mas, de novo, a bola bateu na trave.
“No
Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.” – Nelson
Rodrigues
“O Brasil
não é para principiantes.” -Tom Jobim
“A
prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que
eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento” . - Stanislaw
Ponte Preta
“Talvez o
Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado conta disso”.- Paulo
Francis
“Um povo
que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar.” - João
Batista Figueiredo
*Artigo publicado em A Tribuna RJ em 14/03/2020
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