Fiador moral
O
cara é baba-ovo, invejoso, rancoroso, arrivista e, dizem todas as,
as más inclusive, é um caloteiro, desses que não pagam a ninguém
na maior cara de pau. Aí chega alguém e pergunta se você conhece o
tal meliante. Você já o viu e até conversou com ele algumas vezes,
mas por força de expressão acaba dizendo que “conheço sim”.
Ferrou! Sem querer, virou avalista de um canalha. Melhor seria dizer,
apenas, que “conheço de vista”, mas os hábitos da fala as vezes
nos metem em roubada.
Por
uma questão cultural dizemos que “conheço” a quem vimos algumas
vezes. Pior: em muitos casos estabelecemos relações pessoais e
profissionais com pessoas que não conhecemos sem tomar o cuidado de
pedir referências a terceiros. Os ingleses tem esse hábito. Só
fazem negócios ou se relacionam com pessoas quando três, quatro ou
cinco amigos de confiança confirmam que a tal pessoa é do bem,
honesta e tudo mais.
Por
exemplo: não conheço nenhum Babalu, apesar de um colega, que
encontrei no catamarã, ter insistido em me mandar um “abraço do
Babalu”. Sabe aquele sono eventual que bate depois do almoço, você
entra num catamarã social vazio e fica ao sabor da brisa? Foi o que
planejei naquela tarde.
Corta!
Encontrei o conhecido na chamada “fila do gado”, aquela que o
povão forma para entrar na embarcação e posso afirmar do fundo do
coração: o cara é chato pra cacete. Mas, fazer o que? Ele se
aproximou, colou em mim e sentou a meu lado.
E
tome a falar do tal Babalu que, segundo ele, é meu amigo de
infância. Mentira porque passei minha infância (três a nove anos)
em Angra dos Reis, não havia nenhum Babalu e, de lá, todos os meus
amigos se espalharam pelo mundo.
Mas
eu não estava a fim de discutir, apesar de ser rigoroso com esse
papo de “fulano é seu amigo”. Não é assim. Muitas vezes
já me perguntaram “você conhece Fulano?”, e respondi, com
elegância, “não, conheço só de vista”. Como disse lá em
cima, dizer que conhecemos alguém nos transforma em fiadores
existenciais do “conhecido”.
Não
é o caso do sujeito que encontrei no catamarã que, de fato, sei
quem é, mas saber quem é e conhecer são situações completamente
diferentes. E quando o barco atracou no Rio, confesso que me deixei
levar pela multidão e, propositalmente, me perdi do conhecido que me
congestionou com uma overdose de palavras e frases soltas. Não
aguentei ouvir tanta inutilidade pública e estava vendo a hora que
ia pegar no sono no meio do monólogo dele.
Fui
a uma reunião e, na saída, em frente ao Museu de Belas Artes, na
Rio Branco, encontrei um leitor. Ele estava acompanhado da mulher, me
apresentou e tal. Achei engraçado porque não o conheço e nem ele a
mim, apesar de minhas crônicas e contos, eventualmente, abrirem o
buraco da fechadura. O leitor estava satisfeito, cheio de “Fulaninha,
esse aqui é o LAM...”
e a esposa, também constrangida, disse “muito prazer” e tudo ia
muito bem até ele me perguntar para onde eu ia. Temendo que ele
fosse para Niterói, sapequei um “vou até o Rio Comprido resolver
uns assuntos”, quando ele rebateu “pois nós estamos indo para o
Leme”.
Encerrado
o encontro, quando inclusive me chamou de “amigão”, fui embora
pensando. Pensando nessa profissão maluca que fabrica conhecidos
pelo mundo e até amigos próximos sem que saibamos o que está
acontecendo.
Esquisito
pra caramba.