Ficção, ou...o dia em que o sujeito dormiu em Icaraí, acordou em Copacabana, dormiu de novo e acordou em Icaraí...
Texto
restaurado e remixado
Mergulhei fundo no mundo da ficção quando escrevi meu
primeiro romance, “5 e 15”, que foi lançado em 2007. Não foram poucas as
pessoas que leram o livro e depois mandaram e-mails de perguntas do gênero
“como nasceu a ideia que você colocou no capítulo X”. Sempre respondi “não sei”
porque de fato não tenho noção de onde vem os devaneios.
Por isso senti muito receio em lançar o romance, que
levei uns nove anos escrevendo, parando, quase desistindo. Minha escola é o
Jornalismo, totalmente ligado ao fato, a realidade, informação consolidada,
apurada, checada, rechecada. Como estou me movimentando para escrever um
segundo romance as idéias parecem albatrozes me circundando.
O mundo da ficção permite tudo, absolutamente tudo. Assisti
a uma temporada do seriado “24 horas”, um dos mais delirantes vôos ficcionais
que já vi na TV. Claro que perde para Superman, Homem Aranha, Iron Man mas uma
bomba nuclear explodindo em Los Angeles e toda a confusão sendo resolvida
praticamente por um único homem (o agente Jack Bauer), que com uma única
pistola mata 15 por minuto, mostra que o delírio dos roteiristas de ficção não
tem qualquer limite.
Todo ser humano tem suas ficções. Isso é fato
comprovado até por revistas de fofocas. Existem as ficções do bem, que se
transformam em livros, filmes, peças de teatro, poesias, letras de música e as
do mal, muito chegadas a paranóias, medos inexplicáveis e dezenas de outras
conseqüências. Fato é que há muitos anos li num livro que botar pra fora as
boas ficções faz bem a saúde.
Eventualmente me aventuro a escrever devaneios
totalmente ficcionais. Mas, ainda assim, alguns leitores perguntam se o que
escrevi aconteceu ou não. Ou então, se aquela idéia foi inspirada em alguma
experiência pessoal que vivi, enfim, parece que alguns leitores precisam ver um
pouco de realidade nas ficções. Uma delas se chamou “Nado Noturno” (que já
publiquei aqui na Coluna) e foi apenas um devaneio. Não, mais do que um
devaneio. Eu realmente senti desejo de realizar o nado noturno descrito no
texto, nas condições emocionais em que se encontrava o personagem.
Mas se os leitores perguntarem como aquela idéia veio à
tona, sinceramente não saberei explicar. Sentei no computador, abri o programa
de texto e o cursor ficou piscando, piscando, provocando como as canetas no
passado diante de uma folha em branco de papel. Veio a ideia de escrever alguma
coisa sobre o amor, e acho que “Nado Noturno” raspa, sim, no amor, mas quando
comecei a escrever o texto foi nadando sozinho, como um carrinho de rolimã
descendo uma ladeira.
Tenho colegas jornalistas que se dão muito bem com a
ficção, mas eles sempre dizem que o pavio é aceso por algum elemento factual,
alguma coisa que aconteceu ou que eles achavam que iria acontecer. Outros não
conseguem. No máximo produzem uns ensaios, sempre baseados em fatos, dados,
comprovações.
Um de meus primeiros textos de ficção brotou da
história que foi contada em uma roda por um lendário cascateiro de Niterói, que
já citei aqui na Coluna. Ele disse que certa vez estava numa bóia de pneu de
caminhão na Praia de Icaraí, pegou no sono e acordou em Copacabana. Sem ter o
que fazer, dormiu de novo e acordou em Icaraí. E ai daquele que o questionasse
porque além de truculento ele brigava bem pra cacete. Tanto que, anos mais
tarde quando publiquei a história num jornal local (totalmente maquiada,
disfarçada, cheia de artifícios, mas não adiantou porque ele reconheceu) o cara
andou me procurando. Diziam que queria me dar uma surra.
Até que o acaso me fez encontrá-lo na fila do extinto
cinema Icaraí e ele me tratou
amavelmente, ofereceu pipoca e o falecido (eu acho) Chucola, drops de Coca
Cola. Entendi. No fundo, ele adorou ver sua história publicada, apesar de todas
as deformações que cometi para ocultá-lo. Vai entender. Aliás, entender pra que?
Por que temos essa cisma de querer entender muitas coisas que nos são
totalmente inexplicáveis, entre elas a ficção?
P.S. – Para mim disco voador é igual a patrocínio. Já vi mas não acredito.
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