A perda de um amigo


O telefone tocou. Ontem. Do outro lado da linha a informação que nublou meu coração. Perto do carnaval, um ex-psicanalista que se tornou amigo morreu.
Meu último encontro com ele foi no final de janeiro. Não o via há tempos, estava bem, tomando água mineral numa antessala de cinema.

Disse a ele da sua importância em minha vida, do magnífico trabalho que fizemos, ele meio que baixou a cabeça, sorriso tímido. Acho que meio vermelho.
Não vou citar seu nome em respeito ao seu jeito de ser. Vivia a vida dele, quieto, low profile, não gostava de aparecer. Pelo que soube, ele morreu de câncer e, provavelmente no nosso último encontro ele já sabia. Afinal, além de psicanalista era médico. Se quisesse dizer teria dito. Se não disse é porque não quis.

Comecei a fazer análise com ele num momento muito crítico da vida, quando tudo parecia turvo, opaco, sem ar, sem chance, sem perspectiva, sem esperança.

Junguiano, me apresentou a sincronicidade, a energia psíquica, anima, animus, sem teorias e intelectualismos. Papo reto, simples, análise prática, objetiva.
Lembro que na primeira sessão ele disse “vamos começar revertendo a sua energia psíquica que por causa de tudo o que aconteceu está pessimista, escura, negativa”.

Explicou: a energia é uma só; nós é que a deslocamos para o positivo e para o negativo. A partir daí, via sincronicidade, a roda da vida começou a girar e da mesma forma que, invertida, provocou o caos, apresentou o Cosmos, realimentado por mais energia positiva através dos chamados “encontros casuais” com pessoas inconscientemente na mesma sintonia.

Como fui fundo na terapia, em poucas semanas senti uma grande melhora. A depressão foi quase totalmente dissipada e a ansiedade, aliada a altas doses de noradrenalina, também baixou de nível. “Somos uma flecha arremessada no Universo”, ele dizia. “Só precisamos ficar atentos caso o curso da flecha sofra alguma alteração. O ser humano é equipado para resistir a todas as dores físicas, mas ainda está na pré-história em se tratando de dores emocionais.”

Ao longo de quase dez anos absorvi o máximo. Minha vida deu uma guinada impressionante e em determinado momento cheguei a duvidar que tinha sido o farrapo que fui quando comecei a ser analisado. Até questões financeiras ele colocou na mesa quando disse que “dinheiro é energia psíquica, é reconhecimento por um trabalho, por uma ação nossa.

Dizia que o dinheiro faz bem à saúde e a falta dele nos leva de volta ao pessimismo, à baixa estima, a dúvida da nossa competência e capacidade e, aí sim, devemos ficar atentos para não sermos tragados, de novo, por esse tornado de negativismo.”

Li muito de Carl Gustav Jung. Muito. E quando fui a sessão de despedida, ele sorriu quando agradeci, mas lembrou “não perca o contato consigo mesmo”.

Meu amigo, fique com Deus. E com a minha eterna gratidão.

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