Dores e dormências
Breve, muito em breve, elas vão começar a chegar. As
massas polares que frequentam o outono, que já está na antessala, que bom!) e o
inverno no Brasil trazem o azul mais profundo do céu infinito, realçam o verde
das árvores e nos convida a visitar a oca de nossas reflexões.
Mesmo os chamados antireflexivos, sem saber, refletem
sim. Ou, na pior das hipóteses, contemplam a vida com um olhar levemente
crítico do tipo “o que é que estou fazendo neste filme?”.
Quando as reflexões são profundas muitas vezes se tornam
crises existenciais. Como o mar de marolas que vai engrossando, engrossando e
vira, trazendo as ressacas. Ressacas, irmãs do inverno, das pedras e conchas
geladas, vento soprando de leste.
Viver é fundamental. Refletir, idem. Em muitos momentos
os pensamentos mergulham em trilhas duras e sofridas mas, graças à luz do
outono/inverno, chegam a alguma conclusão saudável. Outono e inverno parecem
jogar a nosso favor. Nada contra a primavera e o verão, mas penso que o calorão
não combina com reflexões plácidas vadias.
Todos tememos alguns pensamentos, especialmente os
caóticos que, não se sabe por que, nos levam a becos que nós mesmos tornamos
sem saída. Em tese. O noticiário dos últimos dias não tem combinado com a
beleza das folhas molhadas ou com o orvalho que em breve irá molhar as
calçadas.
O noticiário dos jornais, sites, revistas, TVs está
pesado e, as vezes, dá vontade de parar de querer saber o que está (ou não)
acontecendo com o mundo. Mas, não tenho vocação para a alienação.
A dor de querer saber compensa mais do que a dormência da
ignorância, por si só, boçal, totalmente boçal que nos engessa numa redoma de
lata de sardinha sem o menor sentido.
Fundamental continuar querendo saber e, ao mesmo tempo,
contemplar o azul profundo do céu levemente gelado do outono que desperta
sentimentos agudos, belos e, por que não, alguns nós na garganta.
E o vento sopra, leva o orvalho, as luzes e trará o azul
do céu de outono.