Um doidão sem solução
Soube de manhã na padaria que Gangorra estava internado num
hospital em Saracuruna (Baixada Fluminense) todo escalavrado. Levou uma surra
numa roda de samba porque o agressor não se comoveu com o argumento de que
Gangorra estava doidão quando passou a mão na bunda da garota dele.
O cara que me contou a história disse que Gangorra gemia
feito ema, chorava, balbuciava que estava bêbado, que não sabia o que estava
fazendo, mas não teve clemência. Como Carlos, o Chacal, o macho da garota
molestada meteu-lhe a porrada por mais de 20 minutos e como manda o protocolo
da boemia ninguém se meteu. Desacordado, Gangorra foi jogado numa caçamba de
lixo onde uns mendigos o viram e avisaram a polícia.
Conheço o Gangorra há muitos anos. Ganhou o apelido porque,
chato pra cacete, quando sentava todo mundo levantava. Começava a beber de
manhã cedo num botequim que hoje é padaria na rua Moreira Cesar esquina com
Miguel de Frias. Só parava de entornar quando, chato, cricri, pentelho,
começava a falar bobagens e apanhava. Apanhava de todo mundo: médicos,
dentistas, pedreiros, oficiais de justiça. Além de chato era inconveniente
porque, calcado no álibi da porranca, molestava mulheres alheias e por isso
vivia cheio de curativos pelo corpo.
Sumiu de Niterói em meados dos anos 80 quando, na fila da
barca, doidão de éter (ele acabou se viciando nisso também), bolinou os mamilos
de uma mulher cujo marido estava comprando a passagem. Gangorra não viu o cara
se aproximar, levou um soco no queixo e desabou no asfalto. O marido puxou uma
arma e sentenciou sem gritar: “se você não sumir eu te mato”. Gangorra sumiu.
Dei a má sorte de encontrá-lo no ônibus no dia da partida.
Linha Santa-Rosa Vila Isabel, mais conhecida como Vila Isabel-Santa Rosa. De
manhã cedo. Eu ia para o trabalho e Gangorra para a rodoviária Novo Rio. Sentou
ao meu lado e quase levantei. Além de chato pra cacete, bafo de cana misturado
com éter e esmalte de unha, começou a falar o de sempre: desonrou uma meia
dúzia de pessoas do bem, falou mal de outras 30 e alegando estar doidão me
pediu dinheiro. Confesso que fiz um acordo sórdido. Disse que daria o
equivalente a 20 reais para que ele mudasse de lugar e, textualmente (ouvido de
doidão é privada mesmo) expliquei que “a sua presença me faz mal, toma esse
dinheiro e vá sentar pra put......”. E nunca mais o vi, mas na época disseram
que ele foi morar nas imediações de Bicas (MG)
Desde sempre tive e tenho amigos conhecidos como “doidões”,
mas todos sem exceção são “profissionais”. Ficam na deles, na boa, na paz.
Gangorra representa uma exceção, mesmo porque nunca foi meu amigo e nem amigo
de ninguém. Sua vida é um enigma, mas sabe-se que é um incurável cornofóbico e
que a sua entrega ao álcool e a simular taras para provar que é macho foi
consequência de uma corneada que levou no colégio. A namorada, primeiro amor da
vida dele, teria se jogado nos braços de um inspetor de disciplina. Em vez de
sentar na calçada, chorar, engolir e partir para outra, Gangorra bebeu. E
fumou. E cheirou. E virou um difamador. Partiu para o assédio em público e a
partir de então foi surrado incontáveis vezes, até esse dia da barca, quando
viu uma Colt nove milímetros enfiada na boca.
Achei que ele tinha morrido em Bicas (MG) porque foi o boato
que correu. De novo uma festa, de novo a mão na bunda de uma mulher, de novo
surra do macho dela, de novo...não, não teria havido caçamba de lixo mas um
tiro na cara.
Gangorra vive e a pergunta que fica é “até quando”?
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