Ritmo Circadiano, de Carol Bensimon
Carol
Bensimon nasceu
em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no
ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios
Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de
2013.
Ela escreveu "Ritmo Circadiano", que transcrevo aqui:
Ela escreveu "Ritmo Circadiano", que transcrevo aqui:
Não sei
se um dia vou deixar de olhar com inveja para os que escrevem de noite e seguem
madrugada adentro, ouvindo eventualmente um gato no cio, um bêbado atravessando
a rua ou nem isso. Talvez eu ainda me deixe ser seduzida pela imagem fácil do
“artista”, esse que deve ser o contrário de tudo; ficar acordado quando os
outros já estão dormindo há muito tempo, etc. Nunca consegui. Meu corpo parece
se regular de acordo com a luminosidade. Desconfio, às vezes, de que tenho um
parentesco com as plantas. Quando o sol cai, quase dá pra sentir a energia indo
embora.
Ao mesmo
tempo, me pergunto o quanto há de social em nossos hábitos de sono. Agora estou
em um lugar cuja diferença de fuso com o Brasil é de quatro horas (para menos)
e, como vivo de certa forma isolada, sem muito contato humano e longe de
qualquer centro urbano que se regule por horários bem determinados, me parece
que acabo vivendo uma mistura de horário-do-Brasil com aquela regulagem
ancestral pela luminosidade. Curioso.
Então
fui ler um pouco sobre isso. Esse artigo publicado pela BBC ( https://bbc.in/2GeQx38) questiona a suposta naturalidade de nossas
almejadas oito horas seguidas de sono. Segundo uma exaustiva pesquisa do
historiador norte-americano Roger Ekirch, o homem, sobretudo até o século XVII,
costumava ter seu sono dividido em duas porções. Entre elas, era comum que as
pessoas levantassem da cama, rezassem, conversassem, fizessem sexo ou
visitassem os vizinhos. Há inclusive um trecho de Dom Quixote ilustrando
isso! Ekirch parece acreditar, portanto, que nossas desejadas oito horas de
sono são menos um chamado da biologia e mais uma construção social que nasce a
partir da modernidade. O artigo também coloca que muitos problemas relacionados
ao sono teriam surgido a partir do século XIX, com o fim definitivo do sono em
duas porções distintas. Russell Foster, professor de neurociência circadiana em
Oxford, e Gregg Jacobs, psicólogo especialista em sono, acreditam que hoje as
pessoas ficam estressadas e ansiosas quando acordam no meio da noite, quando o
fato pode ser apenas um resquício de um hábito que nos acompanhou por séculos e
séculos. Não deveria, em suma, ser tão preocupante assim.
Também
descobri que, só em 2005, os hotéis americanos gastaram 1,4 bilhão de dólares
em colchões!
O mesmo
artigo do Huffington Post (https://bit.ly/2XcCJgd)
que me dá essa informação perturbadora também me mostra que o mundo nunca se
interessou tanto pelo sono. O investimento em colchões do ramo hoteleiro deixa
isso bem claro, sem dúvida, mas também o número de pesquisas na área e tudo que
se tem demonstrado através delas: que um bom sono, em resumo, é essencial para
a saúde e para a produtividade de nossas horas de vigília. Fica, no entanto, um
necessário alerta: não estamos mercantilizando o sono, vendo nele uma
“utilidade”, como fazemos com alimentos ou com praticamente tudo em que
encostamos a mão e pesquisamos pesquisamos pesquisamos?
“Queremos
dormir mais não porque valorizamos mais o sono em si”, escreve Eve Fairbanks,
“mas porque estamos obcecados com produtividade. Em vez de ser uma terra
estranha e selvagem cujo propósito não entendemos totalmente, o sono foi
colonizado por nossa ambição, tornando-se apenas mais uma zona a ser
domesticada em nome da produtividade.”
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Carol, há uns anos ando farejando
os escritores e escritoras da nova geração no Brasil e, felizmente, não canso
de me surpreender. A coragem das doidivanas dos anos 1920 que surravam com
força o papel, dando saltos mortais nos trapézios da literatura marginal, ignorando
que não havia rede no circo, está muito bem representada.
O sono foi, é e será um capítulo
sem réquiem na história da literatura. Comecei a escrever como quase poeta fake
aos 12, depois meio cronista aos 14 e, um dia, aliás, uma noite entrei de cabeça
na redação de um jornal onde fui apresentado a literatura de urgência, inspiração
compulsória, compulsiva e industrial dos jornais, onde a hipótese remota de “dar
um branco” ou se o perder numa narrativa pouco reta de algum caso escabroso são
exceções inimagináveis e passíveis de demissão. Resumindo, na época (anos 1970)
o cara que trabalhava em jornal não tinha o direito de escrever mal. Em
qualquer dia e horário, principalmente à noite.
Os jornais me apresentaram à noite.
Os “pescoções” foram o nosso Phd; fechamentos histéricos de edições virando a
noite tendo que escrever títulos, legendas, fazer lead, dar título, levar
esporro e entregar uma obra prima por dia na gráfica e acabar com um litro de café.
Não aprendi a escrever a noite
porque sequer tivemos (falo de minha geração) a moleza de optar por aprender
alguma coisa. Foi no tranco, no tapa, no berro. Eu sei, texto de jornal é
diferente mas também, é texto. Os textos do Jornal do Brasil e Jornal da Tarde dos
anos 70 eram peças literárias não reconhecidas. Tenho admirado o novo formato
da revista Época que, com coragem, meteu o pé na porta ano passado e decidiu
investir no texto de qualidade, tijolaços maravilhosos, justamente na era da
figurinha, GIF, e o escambal. Tem lido a Época? Tem lido os ensaios? Tem lido a
Piauí?
Bom, escrevo para te cumprimentar.
Adorei “Ritmo Circadiano” que uma vez chamei de relógio psicodélico. De manhã,
de tarde, de noite, de madrugada, continue assim, celebrando os bons textos porque
eles gostam de você.
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