Por que o ontem parece melhor do que o hoje?
Texto
restaurado remixado
Volta e meia uma onda saudosista varre nossa história
pessoal. Muita gente, toda hora, posta músicas dos anos 60, 70 e 80 no Facebook,
onde os frequentadores de uma página dedicada a lendária Radio Jornal do Brasil
AM, minha escola de jornalismo, também lembram de momentos que nos foram tão
belos, lúdicos, sensacionais na programação musical da emissora.
Meses atrás fiquei postando anos 70 no Facebook. Bandas
alemães de 70, 71, 72, Deep Purple lançando Machine Head, Jards Macalé cantando
“Farrapo Humano” e por aí fui. Por que? Não sei. Deu vontade.
Na verdade, quando posto canções antigas (não serei
hipócrita) busco o virtual sossego do passado. Que sossego? O sossego comum,
vizinho da calma, da tranquilidade, aquela que aparentemente enxergamos
naqueles pescadores empunhando caniços nos litorais do mundo. O passado é um
ótimo lugar para acharmos o sossego porque, em várias situações, ele surge. E a
música tem o poder de nos transportar através do tempo.
Nas ilhas de edição de vídeo podemos mexer com tudo,
dar a definição que acharmos melhor. É o caso das lembranças. Em geral,
lembramos do que foi bom, do que foi legal, sensacional, porque só um
masoquista lembra de momentos ruins o tempo todo. Como numa ilha de edição,
montamos na mente um vídeo só com os melhores momentos.
Lembro que no tal dia que postei anos 70 no Facebook,
me emocionei com a maciez do grupo Neu, depois um pouco de Mike Oldfield e, é
claro, o Tangerine Dream, mesmo hoje, 40 anos depois, nos leva a lugares
sossegados.
Não sei quem inventou o jargão “recordar é viver”,
“saudade não tem idade” e outros. O fato é que a maioria (?) das pessoas
relembra, revê, relê, como se o presente não estivesse robusto o suficiente
para atender as suas demandas pessoais. As pessoas que falam de Beatles, TV
Tupi, Lambretta, trampolim da praia de Icaraí, Torrão de Açucar em Búzios, por
exemplo, são chamadas de saudosistas. Mas e a maioria que sente/pensa o mesmo e
não revela?
Por que o passado ganha do presente? Por que o presente
perde para o futuro? O que há de errado com o aqui e agora? Não sou filósofo,
nem psicólogo social, mas os livros dizem que sempre foi assim. Tem um verso do
Caetano que quando ouvi a primeira vez achei que era uma resposta, mas depois,
ouvindo seguidas vezes, percebi se tratar de uma gigantesca pergunta:”Existirmos/a
que será que se destina?”.
Especulo que o presente nos força a existir. Sim.
Soltar amarras, voar, partir para a urgência, executar. O texto que escrevo
agora é este, não há outro. Mais: pensamos uma coisa de cada vez. Mais: temos o
direito de sentir saudade, sim. De pessoas, tempos, coisas, cidades, mas,
recomendam os mais experientes, não devemos voltar lá. Decepção. Passei minha
infância feliz da vida numa vila militar em Angra dos Reis, onde meu pai serviu
como oficial de Marinha. Voltei lá nos anos 90. A vila está a mesma coisa e,
confesso aqui muito particularmente que até chorei de emoção, mas Angra? Angra virou
o maior favelão, não tem mais o trem onde brincávamos, a praia do Anil está
cheia de urubus e a recepcionista da cidade não é mais uma sabiá-laranjeira e
sim uma usina nuclear.
Alguém escreveu que não devemos voltar onde fomos
felizes e que o lugar do bom passado é num dos arquivos de nossa memória afetiva.
Mas, por que sinto o coração apertar quando ouço “I´m not in Love”, do 10 cc,
que antes de virar sucesso em todas as rádios tocava na não menos saudosa Eldo
Pop FM? Como explicar os 5, 6, 7 e-mails por dia que respondo sobre a Rádio
Fluminense FM que criamos há 30 anos? Pior: a maioria dos leitores não era
nascida quando a rádio existia? Alguém explica?
Um dia desses alguém me disse “saudade é uma coisa,
saudosismo é outra”. Quando encontro amigos da adolescência lembro nitidamente
de cada dia, cada momento, mas esqueço de trazer a tona as angústias, a
reprovação no colégio, a queda de uma onda que me custou 11 pontos na perna.
Por que a nossa mente só edita bons momentos do passado? Por que até pessoas
que se revelaram molecas no presente hoje tem um lugar carinhoso em nossos
escaninhos?
Alguém tem as respostas?
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